por: Ana Fernandes
data: 09 de outubro de 2001
 
Ana Fernandes - Estamos identificando basicamente três blocos: o histórico da profissão, quais as atividades atuais e quais as perspectivas. Outra coisa que nos interessa também são indicadores de em qual estágio está a divisão de trabalho da arquitetura na Bahia. Quem contrata quem, como é a trama de demanda de mercado de trabalho. Nas perspectivas, que setores parecem mais pujantes, e o papel do mercado internacional.
Neilton Dórea
- Formei pela UFBA saindo no início de 75, e como todo arquiteto recém formado, com aquelas indecisões. Sempre gostei muito de urbanismo. Durante o período da universidade trabalhei, como estagiário, alguns temas ligados ao urbanismo, tendo muita decepção. Porque a gente fica pensando em uma situação estritamente profissional, entretanto o ritmo passa ser muito mais político do que profissional, então, você vê que nem sempre o que você decide, o que você implementa em relação ao cidadão e a cidade é usado, é muito mais decisão política. Tive minha experiência em órgão público, e também em empresa privada, trabalhando nos projetos de Remanso e Casa Nova, tendo como coordenadores Isaías Carvalho e Roberto Cortizo. Foi um trabalho muito interessante, mas vi as limitações do projeto, quase tudo que era proposto, tinha alteração pelo presidente da CHESF. Mudava tudo com um direcionamento muito mais de prazo, redução de custo... Claro, tem isso tudo! A gente como estudante vê isso tudo e fica um pouco chateado, fica meio frustrado. Achei que não fosse mais trabalhar com urbanismo, trabalhando apenas em projeto de edificações que, talvez, fosse mais gratificante.
Ao me formar fui parar na Bahiatursa, ficava meio turno lá e no outro meio turno implantei o escritório. Não demorei muito na Bahiatursa. Fiquei só seis meses. Pedi demissão... Fazia hotéis, reformas em Lençóis, Cachoeira... Sempre manutenção, pequenas reformas e fazendo também análise de projetos para serem implementados nas cidades, voltados ao turismo. Eu me lembro que meu ponto de decisão para sair da Bahiatursa foi quando fiz a análise de um projeto que estavam implantando em Amaralina, era um "cacete armado", que para ter um financiamento aprovado, tinha que superar uma série de restrições. No final não aprovei o projeto e, para surpresa minha, foi aprovado na mesa do presidente. Não gostando da situação, subi no dia seguinte a presidência, que eu tinha acesso, e disse: "Você não precisa de arquiteto. Não adianta eu estar aqui, passar um mês analisando um projeto, dar o parecer contrário e, no final, você aprova!". Peguei meu chapéu e fui embora! O que foi melhor, porque me dediquei somente escritório.
Comecei a trabalhar e, realmente, o mercado nunca foi fácil para arquitetura. Hoje é até mais complicado. Antigamente, você tinha um leque maior, e o arquiteto pelo menos, eu diria, era mais respeitado. Hoje eu tenho minhas dúvidas quanto a isso... Comecei a trabalhar, já tinha um certo relacionamento, e comecei fazer residências, muitas residências, muitas sedes de empresa, empresas de veículos, lojas... A Bahia não tem um mercado com corporações grandes, com multinacionais, como em São Paulo. Sempre são empresas menores com 700 a 1000m² de área projetada. Assim, com esse mercado consegui expandir o escritório. Sempre tive uma visão do trabalhar com arquitetura, uma visão da atividade do arquiteto no tripé: o exercício profissional, a formação profissional e as entidades, ou seja, a política profissional. Desde o primeiro ano participei das entidades. Então, eu tinha a formação, o exercício e a parte da política profissional, tentei atuar nas três. Na escola de arquitetura, passei cinco anos antes de entrar. Achava que não deveria entrar porque eu não tinha a experiência necessária para ser professor. Só entrei na Faculdade de Arquitetura em 80. Tive uma decepção muito grande quando fui ao IAB, porque havia uma visão só política, no sentido partidário, na década de 70, o que eu não acho totalmente incorreto... Tive muita briga com Edimilson, ele olhava para a minha cara e dizia "o que você está fazendo aqui?", eu era o único profissional liberal, o resto era tudo funcionário de órgãos governamentais... Edimilson dizia "Você não existe, não existe arquiteto profissional liberal, arquiteto é, na maioria, sempre empregado", uma visão bem dele. Eu insisti, continuei lá, terminei como diretor, vice-presidente, nunca quis ser presidente de lá, me impuseram... Mas, na realidade, nunca quis, porque é um negócio meio ingrato, você tem que assumir mesmo, e quando a gente não tem o respaldo de um salário fica meio difícil!!!
Fiz a minha estrutura profissional usando esse tripé. Acho uma coisa interessante e que todo profissional deveria pensar nisso, não só na arquitetura, mas em todas as profissões ligadas à cidade. Entendo que todo homem deve ser um ser político. Foi interessante esse procedimento, consegui desenvolver minha formação acreditando a que arquitetura deve ser sempre direcionada para o usuário. Eu não acredito que o meu cliente seja quem me paga, o contratante. Meu cliente, primeiramente é o usuário. Talvez por isso eu não tenha sido bem aceito no mercado imobiliário. Nesse mercado o cliente, é quem paga! Essa é uma exigência do mercado imobiliário, você tem que atender a parte capitalista e o usuário que se dane!
Ana Fernandes - E nessa época, você trabalhava sozinho?
Neilton Dórea - Não, era eu e Luis Humberto. Foi uma associação que durou 19 anos, tiveram muitas coisas positivas, houve uma soma, com vantagens para ambos. E foi um período, digamos, bastante interessante. Eu acho que não é bom, você como arquiteto se lançar sozinho. Entendo que sempre é bom você ter pessoas com quem você discuta, ouvindo pessoas que você conhece para sedimentar as certezas e depurar as incertezas. Outro dia, Itamar Batista ligou para mim e pediu que eu fosse ver um prédio que ele estava fazendo, fui lá discutimos, ou ele vem aqui e a gente discute, sempre "trocando figurinhas...".
Sempre pensei que deveria ser muito profissional, sempre o escritório-empresa. Quando comecei era aquele negócio do "Atelier". Para os caras não tinha prazo, era sonhar... vejo o Arquiteto como um profissional, no sentido mais amplo, tanto que a minha primeira atitude foi fazer um sistema empresarial até com contrato, para os caras que contratavam a reação era sempre contra, porque o normal era começar a trabalhar depois acertar preço... Eu sempre acertava preço, prazo, o que eu deveria fornecer, o que era minha responsabilidade e o que era do cliente. Então, gerava uma reação com pessoal, antigamente. Consegui implementar esse direcionamento dentro da empresa, tratei o escritório de arquitetura como empresa, desde o primeiro momento.
Ana Fernandes - E eram só vocês, havia estagiários... Como era?
Neilton Dórea - É, tinham os estagiários e os arquitetos. Durou de 75 a 94. Em 94 houve uma separação, foi muito mais por uma dicotomia conceitual na própria arquitetura, a gente achou melhor separar... Eu nunca trabalhei com Luis Humberto na escola, nunca participei com ele em equipe, foi uma coisa que aconteceu... O escritório foi implementado naturalmente.
Ana Fernandes - Com obras públicas, vocês chegaram a trabalhar?
Neilton Dórea - Não, sempre trabalhávamos com empresa privada. A gente tinha muitas casas, sedes de empresas e urbanismo...
Ana Fernandes - Chegou a ter alguma obra industrial?
Neilton Dórea - Não. Trabalhamos também, muita coisa de urbanismo. Trabalhamos com conjunto habitacional, fizemos o que era "Mochila I, II e III", atual conjunto habitacional João Durval, em Feira de Santana, foram 15 mil unidades. Fizemos a parte de urbanismo, as células não fizemos porque eram células da URBIS... Até hoje não fecharam todo o projeto. Foi a época que fizeram muitos conjuntos habitacionais. Sempre contratado num procedimento que eu não concordo muito, uma coisa que eu já comentei, não existe uma visão de como trabalhar em arquitetura, os procedimentos e contratações. Eu acho que o modo que está sendo feito nos últimos anos totalmente equivocado, começando pelo Governo. Entendo que é uma briga que o pessoal deveria comprar. O IAB deveria ter comprado. Sempre briguei e tentei, mas o IAB nunca chegou a comprar, os projetos de Arquitetura ficam num pacote, junto com a licitação da construção, no final não existe controle de qualidade. As construtoras não contratam por qualidade, só visam o preço do projeto, aquela distorção que existe em tudo. Naquela época já existia isso, mas conseguíamos negociar e obter uma qualidade boa de projeto, não impor, mas convencer o cliente contratante que nós estávamos fazendo uma coisa que seria melhor em termos de rentabilidade, mas também para o usuário. Nós conseguimos fazer, por incrível que pareça, com a própria OAS. Tinha umas pessoas lá que tínhamos condição de conversar, tínhamos uma liberdade... Levamos um tempo fazendo isso.
Depois a gente começou a trabalhar muito num mercado que não era trabalhado por arquitetos, que era Interiores. Se você pegar o currículo da gente você vai ver muito trabalho desse tipo, por ano tínhamos mais de 40 projetos de Interiores. Na década de 70 para 80. Interiores eram considerados uma arquitetura menor. Tanto que o nosso escritório já tinha um certo nome como escritório de projeto de edificação e certa vez Ricardo Albuquerque comentou: "Porque você faz Arquitetura de Interiores?", como se fosse uma desqualificação fazer Interiores. Eu acho que é arquitetura e não separo. Você só contrata Arquitetura de Interiores quando a Arquitetura não está bem resolvida. A arquitetura bem resolvida, de um modo geral, esse é o meu conceito, tem um arquiteto com a visão bem mais abrangente não só estrutural, de tecnologia, mas também o conceitual de Interiores já deve ser concebido pela gente. Quando você é contratado e a remuneração é justa isso deve fazer parte do trabalho, entenda-se não o mobiliário, mas sim todo o detalhamento e especificações.
Trabalhamos muito tempo com Interiores, foi gratificante... Tinha essa coisa de dizer que quem fazia Interiores era o decorador ou arquitetos menores. Houve uma mudança radical no mercado, hoje 80% faz Arquitetura de Interiores, sendo o grande gancho do mercado atual.
Ana Fernandes - É que arquitetura de interiores virou uma coisa de moda hoje. Acho que as famílias mudam mais de casa do que antigamente, e a cada mudança existe uma reproposição da casa inteira...
Neilton Dórea - Existe isso. Eu tinha uma cliente que dizia que ela era como Copa do Mundo, que a cada 4 anos ela trocava de casa! Que é uma questão cultural bem nossa, de pequeno burgês, que é incrível! Eu tive uma cliente que mudou de um apartamento de 250m² para um de 140m², porque assim ela trocava de endereço... Morava na Pituba e passou morar em tal lugar que eram mais chique, assim deixando um apartamento maior para um menor pelas características do prédio, do bairro, etc., mas a gente tem que entender. Eu acho que é uma tremenda babaquice, e até hoje é assim!!!
Ana Fernandes - Quando eu penso em arquitetura de interiores, pensando no uso habitacional eu me coloco a seguinte questão: não é possível pensar que todo estoque seja novo. Se o estoque habitacional não é novo, você tem que ter adequações. Então, este projeto de adequação é um projeto que pode ser desenvolvido por arquitetos. Quer dizer, acho que é uma área importante de atuação em arquitetura. O problema é que o interior está um pouco misturado com a idéia de decoração, de moda, de obsolescência precoce... Ai é mais complicado...
Neilton Dórea - Você tem uma dicotomia muito forte da Arquitetura de Interiores com o processo cultural. É uma coisa que às vezes eu meio sacana, respondendo ao perguntarem qual a "tendência" atual digo "tendência é coisa de viado!". Eu acho que não existe a tal "tendência". Você pode dizer que tendência existe, mas eu não aceito. Eu sei que existe todo procedimento de atuação profissional, você tem toda cultura como contribuição da terra, e você não vê rebatimento na Arquitetura, nem da de Interiores. O que você vê é o procedimento de copiar, estrangeirizar. Você entra numa casa que teve um projeto de Interiores é Europa pura. Você tem uma cultura brasileira rica de artesanato e materiais, Acho que você tem que ver, tem que ter contato com os materiais de ponta. Mas não é uma "verdade verdadeira" você transpor aqui o que se tem lá, fachadas cortinas de vidro para o poente... E que a gente, a raça de arquitetura, não pensa!!! Entra nessa linguagem de modismo... Acho que a gente tem condição de entrar e dar uma contribuição cultural. Quando a gente pensa em artesanato, pensa naquela "subcultura", o que não é realidade, é sim uma cultura muito rica, reflexo da região, que poucos sabem absorver, buscar pessoas para absorver isso. Tem poucos que gostam. Tem uma arquiteta que tem a capacidade muito grande de contribuir, Janete Costa. Para mim, Janete foi quem deu expressão, no Brasil, a Arquitetura de Interiores, e deu integridade... Além dela ser uma Arquiteta de vanguarda, tendo uma Arquitetura muito boa, tem conhecimento muito grande da cultura de Pernambuco e do Brasil. E, além do mais, ela conhece peças antigas, se você conhecer a casa dela, verá coisas contemporâneas, mas impregnadas de cultura, os objetos antigos, tudo naquele "mix", que funciona legal. Se todos arquitetos de Interiores tivessem um milionésimo do que Janete tem de competência estaríamos muito mais bem servidos.
Ana Fernandes - E depois da separação? Você continua trabalhando no mesmo tipo de mercado?
Neilton Dórea - Sempre tive um procedimento com o cliente, digo brincando: "Eu faço no cliente um trabalho de desestruturação mental". É um procedimento que eu tenho para conseguir trabalhar. O que eu faço, se eu tenho um cliente para fazer uma casa, um projeto?. Marco um papo sem tempo! O cara chega as duas da tarde e fica até sete ou oito, marco no dia seguinte até eu conseguir entender, mas o que eu quero realmente e derrubar a cabeça dele, entendeu!?! Todo mundo que procura um arquiteto vem com informações nem sempre sedimentadas, informações falsas... Chegam cheio de revistas, vê a porta de um, a janela de outro, vê uma casa, coisa e tal... é a maior dificuldade em tentar fazer o que ele quer, e que, com certeza, vai dar "uma merda"! talvez eu tenha essa capacidade, quando o cidadão sai da reunião, ele não sabe mais o que quer!!! Ai eu consigo trabalhar. Tanto que eu não mostro para o cliente fachada, corte, nada! Ele aprova o projeto na planta baixa, muito simples... Ele só vai ver a casa dele quando estiver tomando forma. Porque, se eu começar a dar muita informação, acabo não fazendo...
Eu sempre procurei nichos de mercado para trabalhar. Já que eu não era contratado para fazer projeto de edifícios no marcado imobiliário. Em primeiro lugar, pôr não deixarem eu trabalhar como eu acho que devo, e além do mais a remuneração eu não considero justa para fazer o tipo de trabalho que eu faço. Então eu sempre tive que driblar o mercado e fazer o que acho melhor. Pôr coincidência, o nicho inicial que a gente conseguiu abrir foi Interiores. Interiores de um modo diferente. Quando começamos trabalhar com Interiores, na Bahia este mercado era dominado por um cara que se chamava Pedreira, José Pedreira tinha uma cultura muito boa, o pessoal mais antigo conhece, mas ele trabalhava com a concepção de Interiores da casa colonial, das marquesas (o móvel), das palhinhas... Eu não o conheci pessoalmente, quando entrei na faculdade ele já havia morrido, mas os que o conheceram diziam que ele tinha um vasto conhecimento de mobiliário colonial... Se você olhar as revistas da década de 60, 70, era o trabalho que tinha, arquitetura de interiores bem colonial. A maior dificuldade da gente foi trabalhar dento de uma arquitetura que tivesse alguma coisa de raiz, mas que tivesse características de ponta, de vanguarda. Por exemplo, quando a gente propunha utilizar esquadrias de alumínio em residências, as pessoas diziam que era coisa de escritório... em casas só se usava madeira. Foi uma barra pesada para romper! Isso na década de 70. Outro exemplo: usar cores fortes era difícil, tudo era begezinho, clarinho... Conseguimos por um período vender a idéia de uma cultura genérica em termos de Arquitetura de Interiores, que tivesse algo impregnado da cultura baiana e com proposta de elementos de ponta da Arquitetura mais contemporânea e internacional. Não é copiar o estilo internacional, que é uma coisa que eu fujo... Eu até tenho que fazer análise, porque eu tenho uma tendência de fugir de tudo que é moda. Por exemplo, porcelanato eu não uso. Eu me lembro que quando entrei na faculdade era moda granito e mármore, eu não usava de maneira nenhuma, fazia de tudo para não usar. Fui usar mármore depois da moda, porcelanato talvez daqui a dez anos eu venha usar... Outra visão muito pessoal minha é que não existe material para determinadas coisas, o material está aí para usarmos do modo e competência que der para usá-lo. Por exemplo, eu sempre usei materiais industriais em residências, se você pegar a primeira casa que eu fiz, em 1976. Ela já tinha grades de tela, pisos de materiais só usados em indústrias. Eu acho que o procedimento do arquiteto é sempre olhar o produto com um olho diferente. Isso eu sinto muita falta disto nos profissionais de arquitetura: "inventar novos usos com materiais e produtos já conhecidos".
O mercado de Interiores começou a ficar saturado, com certa dificuldade, até de remuneração. O mercado inchou em Arquitetos e a remuneração caiu. Acho que eu tenho um procedimento profissional de entrega do produto, e isso tem um custo... Detalhando e produzindo uma série de pranchas para que o cara tenha condições de executar. Isso alguém tem que pagar e quem paga é o cliente. Eu estou dizendo o que eu penso, essa coisa de ser remunerado indiretamente por comissão eu sou contra, é uma coisa que eu tenho brigado... eu tenho que defender o meu cliente e não usar simplesmente um material "inadequado" para poder obter uma comissão para viver...
Quando eu me separei, eu tentei remontar o escritório de forma a terceirizar, mas eu não conseguia porque não tinha equipe que fizesse o produto como eu queria. Não contratei mais estagiário... podem até dizer que eu sou professor da escola e não gosto de trabalhar com estagiário. Isso é porque o procedimento da escola mudou muito. Quando eu estudava, a gente conseguia trabalhar e ter uma qualidade como estagiário próximo do profissional. Eu não vejo isso nos estagiários de hoje. Pôr exemplo, eu quando fui estagiário de Itamar Batista e na Prourbis, eu tinha minhas provas na faculdade, mas não sumia. Estagiário quando chega na época de entregar Planejamento, você não o vê! Eu acredito que, na minha empresa, eu não posso entregar responsabilidade a uma pessoa deste perfil. Tenho prazo e responsabilidade com o cliente, e, daqui a pouco, dez dias depois e o cara não vem! Então eu passei a trabalhar com poucos estagiários nesse período, trabalhei muito mais com arquitetos por uma questão de profissionalismo, de contato.
Por estar no lugar certo, na hora certa começaria a fazer restauração, sem ter o mínimo de especialização, com isso alguns arquitetos "especialistas" ficaram putos comigo... eu comecei fazer restauração sem ter curso de especialização... Foi durante os anos 90. Por coincidência, eu estava fechando um contrato que tinha uma interferência de restauração... Propuseram-me... Eu fiquei meio aterrorizado quando fechei o contrato, "Poxa, eu não sei nada de restauração!". Tentei me associar a um colega que tem o curso de especialização em restauração, fiz a proposta de nos associarmos, até com um certo receio da minha incompetência na área. Ele veio cheio de estrelismo... Eu disse: "o projeto é do escritório, entra a placa do escritório, você entra como colaborador, como co-titular na placa, a empresa é Neilton Dórea Arquitetura."Mas a pessoa queria que eu mudasse para Neilton Dórea e fulano de tal. Comecei a ler, estudar, conversar... O que eu acho uma das grandes vantagens da escola de arquitetura é que a gente desenvolve a capacidade de discernir, procurando o que e quem pode ajudar a gente. O bom empresário não é aquele que sabe fazer tudo, é aquele que sabe montar a equipe competente. Consegui montar uma equipe, comecei a trabalhar. fiz o primeiro, segundo, terceiro e quarto... no final deste período eu devo ter feito quase 30 projetos de Restauração. Eu acho que acertei, claro, dentro de uma visão minha de restauração, que hoje está sendo mais bem aceita. Minha visão de restauração é muito simples. Voltando um pouquinho, há uns 15, 20 anos atrás eu peguei uma casa da Sadel, que era uma empresa que vendia eletrodoméstico. Era uma casa do final do século IXX, que a Sadel comprou para fazer sua sede em Santo Antônio de Jesus, uma casa de esquina com todos aqueles detalhes, e na época estava na moda usar forro de alumínio em fachadas, aí eu fiz a proposta para o meu cliente de deixar a arquitetura de 1880 e internamente o espaço era estruturas de aço, piso de alta resistência em duas cores... o cliente olhou para mim e disse "Para isso eu não preciso de arquiteto!". Ele esperava que eu colocasse uma fachada de alumínio do tipo daquelas que tem na Av. Sete, destruindo as casas bonitas que tem lá... Eu disse "Aí que você precisa realmente de um arquiteto". Foi uma briga, até que ele conseguiu comprar a idéia e consegui manter a qualidade de uma arquitetura histórica. Sempre pensando assim: "o que existe vamos brigar para conservar, o que não existe não seja representado por um pastiche". É uma briga que eu tenho com o IPHAN, até hoje por causa disso. Todas as vezes que trabalhamos com uma linguagem inserindo o contemporâneo o IPHAN reagiu contra.
Comecei a trabalhar muito para o governo, o que é uma coisa meio complicada. Eu mudei muito o perfil do escritório, trabalhava com 99.9% de clientes privados, e nunca tinha em meu escritório 20% do faturamento na mão de um cliente. Durante um período eu fiquei com 80%com cliente público, 20% privado, e fiquei assim com cerca de 50 a 60% do meu faturamento na mão de um cliente, se eu não tivesse uma certa habilidade teria quebrado. Fechava contratos bons, mas na hora o governo não pagava. É uma coisa perigosa que eu já estou pensando em sair disso. Difícil é a parte empresarial do escritório de arquitetura. Nessa parte de trabalhar com o governo fiz um tempo restauração, agora estou na obra do Metrô...
Ana Fernandes - Agora você tem o Metrô, como é que isso aconteceu? Já que estamos em plena contemporaneidade...
Neilton Dórea - Eu acho que o mercado mudou. Durante esse período todo eu nunca fui atrás de cliente, sempre bateram em minha porta, em 25 anos...
O Metrô foi a primeira vez que busquei trabalho. Porque me atraiu o tipo de Projeto. Eu procurei Ivan Barbosa há dois anos que me recebeu muito bem, e conversando com ele eu disse: "Eu sei que está vindo o Metrô, é licitação e quem ganha licitação nunca são os arquitetos. Extremamente desagradável, porque uma obra deste porte, na Bahia, não tem nosso perfil cultural, nem de Arquitetura. O que ele me disse foi que o Metrô era uma coisa muito específica, coisa e tal... em resumo, nós não teríamos competência para realizar esse projeto! Eu disse a ele que discordava porque nós temos uma formação abrangente, para buscar as informações necessárias aos projetos. Houve a licitação e aquela briga toda (entre todas as empresas participantes), encontrei Geraldo Teixeira que era coordenador, ele me chamou para bater um papo disse que ia me apresentar ao responsável pelo consórcio que ganhou a Licitação. Levei meu currículo ele olhou, disse "Muito bem, deixe aqui! Vou ver o que eu posso fazer". Depois de um tempo liguei perguntando se algo novo aconteceu... Ele disse que naquele dia o pessoal que iria definir o projeto da estação estava lá e iria bater o martelo! Fui fazer o contato e fechei o contrato da estação , estou agora fechando outras. (Ana - Você vai ficar com todas!?") Não, só não vou fazer as subterrâneas. Essas já estão prontas, os Projetos claro.
O que acontece é o seguinte, o consórcio contratou duas empresas de projetos, sendo uma empresa americana. Uma tinha três e a outra tinha cinco projetos, são oito estações. O dia que foi mostrado o projeto a Ivan, como Secretário, ele não gostou das estações e não aprovou! Nisso estava ao lado o cara da Promon, a empresa contratada para fiscalizar a obra, que se ofereceu para refazer o projeto. No final Ivan aprovou as novas estações. As da Promon..
Estou desenvolvendo o básico. Este projeto está sendo para mim um grande problema. Empresarialmente eu tomei uma atitude, eu quis colocar o pé dentro do Metrô. Porque vai ter outras linhas, outras estações, junto às estações teremos outras coisas... e além do mais, é um segmento muito difícil de se ter acesso. Porque para você projetar estação de Metrô, exigem experiências anteriores. A pontuação maior é experiência em Metrô. Eu estava vendo e comentando com Geraldo que eu gostaria de ter feito o projeto básico. Quem tem experiência em Metrô, tem uma vantagem da zorra, na licitação. Estou desenvolvendo o básico e na realidade, quem faz o desenvolvimento do básico no mercado formal está pouco ligando para o arquiteto, que fez o básico. Estamos fazendo algumas alterações para adequar a nossa linguagem. Tem muitas coisas que não vão funcionar aqui na Bahia e que eu estou propondo mudar, sempre discutindo ao João Batista, o autor do Projeto básico.
Com certeza o consórcio deu um valor de projeto, repassou para a sub-conratada, tirando um Dx para ele. A sub-contratada repassou para mim tirando um Dx. Na realidade, é que se tivessem me contratado direto estaria muito melhor remunerado, Estou com o intuito muito mais empresarial... O sistema de contratação é que temos que mudar, porque está errado, ficamos no final e sem o domínio projetual.
Esta semana tomei outra atitude, uma coisa que eu não sabia, que pela lei quem faz o projeto básico não pode desenvolver o projeto executivo. O que é um tremendo absurdo! Como se fossem duas coisas diferentes. O detalhamento de um projeto pode esculhambar totalmente o projeto, ou até melhorar! O projeto básico é conceitual, é uma orientação, se você pegar um arquiteto que respeita o projeto básico, como estou fazendo com João, é uma coisa, mas se você pega um profissional que pouco liga para isso, ele esculhamba o projeto básico. É uma das coisas que a gente não deveria aceitar é isso, essa separação que o governo faz nas licitações. Atenção IAB.
Ana Fernandes - E com relação a projetos imobiliários?
Neilton Dórea - Para trabalhar para o mercado imobiliário hoje, eu acredito que o arquiteto tem que ser subserviente. Ele tem que fazer o que o dono, que está pagando, quer. Finalmente, em reunião, o que o corretor pensa tem mais peso do que o arquiteto. Na verdade, a gente vira um mero desenhista. O conceitual do projeto é extremamente limitado. Ou vai na regra do jogo, ou não é contratado. O que acontece sempre é o que está na moda, o que é usado é aceito. Além do mais, no mercado imobiliário os "empresários" trabalham sempre com a certeza. Um cara mais arrojado descobre um nicho, atrás vem os gafanhotos e destroem... Foi o que aconteceu com Reinaldo Loureiro e Fernando Peixoto quando propuseram na época os villages e que nenhum empresário aceitava. Na década de 70, perto de 80, eu tinha proposto para alguns empresários reviver as vilas do início do século, as vilas operárias, numa linguagem mais contemporânea... Eles disseram que o baiano nunca iria morar de meia parede.
Depois Reinaldo e Fernando fizeram experiências com aqueles vilarejos em Itapuã, muito interessantes. Daí para frente o que houve? Terrenos que caberiam 5 unidades, passaram a colocar 7 ou 8, o que acarreta uma baixa qualidade. Muito descaso. Alguém vem, lança uma coisa boa, aí vem os aventureiros destruindo. Hoje em dia, você pode ver que villages, apart hotéis são todos com baixa qualidade e ninguém quer saber! Porque os exemplos foram deturpados com um mau uso da arquitetura, com uma péssima interação dos espaços, esteticamente nem é bom comentar.
Ana Fernandes - Outra questão, quantos escritórios estão hoje neste mercado?
Neilton Dórea - Hoje, no mercado imobiliário são mais ou menos 6 escritórios fortes no segmento.
Ana Fernandes - O que desenvolvem? O projeto básico?
Neilton Dórea - Quem especifica nunca é o arquiteto. Por exemplo, tem empresa de construção que contrata só a planta baixa e a fachada achando que isso é Arquitetura! Outro exemplo, essas construtoras que atendem a classe média alta, todo o projeto de prefeitura tem um arquiteto, a partir da aprovação, o arquiteto perde o domínio do projeto.
Ana Fernandes - Mas isso é especificado por arquitetos da própria empresa? Quem faz essa especificação? O técnico?
Neilton Dórea - O dono, o corretor ou o comprador. O que acontece é que você perde todo o domínio do projeto, ou seja, perde a autoria.
Ana Fernandes - Vamos falar um pouquinho das perspectivas. Para onde o mercado de arquitetura e urbanismo está apontando, aqui na Bahia?
Neilton Dórea - Eu acho que o mercado na Bahia está muito restrito. O mercado, hoje, eu acredito que absorve 80% dos arquitetos é de Interiores e, mesmo assim, um mercado de Interiores tendencioso, para usar a palavra "tendência". O que é o produto de Interiores na Bahia, é uma forma espacial com especificações dentro de uma ótica que a classe dominante acha que seria o modo ideal de morar, sempre o espelho alienígena.
Ana Fernandes - E as ONGs? Hoje temos várias que trabalham com população de baixa renda e que começam a propor projetos... Você tem notícia disso? Você vê isso como possibilidade?
Neilton Dórea - Acho uma coisa muito boa, mas em números é tão pouco expressivo que não vejo como uma possibilidade para o mercado atual. Além do mais esses trabalhos com ONGs, ao mesmo tempo em que eu diria que poderia ser um mercado para o arquiteto, por enquanto é caridade. A ONG, apesar de algumas terem dinheiro, quando procura um profissional quer que ele também seja um participante da ONG, como se fosse um doador. Isso não gera mercado!
Acho que se fosse o caso de existir como mercado, se existisse profissionalismo em todos os sentidos, que a ONG tivesse uma administração que com os recursos contratasse pessoas competentes em Arquitetura, em Direito, ou em Ecologia tendo vínculo profissional. Na realidade, as ONGs que eu tenho contato não pensam desse modo. Todas as vezes que fui convidado é como se eu tivesse fazendo caridade!
Ana Fernandes - Em termos de setores vinculados a turismo, setores vinculados à indústria automobilística... Você consegue perceber possibilidades nesse?
Neilton Dórea - Perceber eu consigo. Uma das coisas que a gente tem que ver é que o próprio pessoal que vai contratar sempre tem uma visão que nós, aqui na Bahia, não temos a competência para exercer isso. Eu não sei quem trabalhou para a Ford aqui na Bahia. O projeto veio pronto de São Paulo. No Metrô estou corrigindo erros de projeto... Estruturas indefinidas porque não se sabe como vai ficar em pé!?!!. Estou corrigindo... eu fui contratado para fazer o executivo, não para pensar o Projeto. Projetos executivos são só os detalhes e compatibilidade como os Projetos complementares..
A geração de hoje está direcionada para a prática profissional no sentido da contratação com o foco do contratante. Ainda assim sem a plenitude de domínio do projeto, sem ser capaz de gerenciar totalmente o que vai fazer.
Hoje em dia, o arquiteto está perdendo o domínio da discussão da arquitetura. Você não discute conceito, não vai discutir idéia, vai ouvir o que ele quer e desenhar o que ele quer. Eu estava conversando com um arquiteto, nesses coquetéis da vida, e ele está fazendo um monte de Interiores de hotéis na Bahia, virou "especialista" em hotel. Quando ele me falou dos valores que estão pagando a ele, é um décimo do que é merecido!!!
Vendo "meu peixe" tanto conceitualmente como empresarialmente. Os contratos que tenho com o governo foram convites... Se não fosse assim, em licitações eu perderia todas! A licitação de um elevador, perto da ONG de Gilberto Gil, primeiramente me chamaram para fazer esse projeto, depois partiram para uma licitação, organizada pela CONDER. O valor que ganhou, conseguiu com um quinto do que eu dei de preço! E pela qualidade do que foi apresentado, ainda pagaram caro!
Nós Arquitetos, não temos uma visão de unidade, nem na escola, nem no IAB. De modo geral ficamos naquela separação da formação e do exercício profissional... entretanto, para a gente chegar a um padrão de qualidade, para conseguir resgatar a integridade, temos que brigar por um produto de maior qualidade, com melhor acabamento, que o detalhamento seja muito mais técnico... Licitação como é feito no Brasil, de modo geral, não é feito lá fora. Lá fora, licitação é a partir do preço conhecido, quem tiver 10% acima ou abaixo contínua, os outros são desclassificados. Em Camaçari houve uma licitação com o preço inicial de R$200.000,00 e o que ganhou foi com R$40.000,00. As outras construtoras se revoltaram!!! Eu não posso comprar um BMW pelo preço de Fusca! É o famoso " kapa". Sempre o menor preço, nunca a competencia e a qualidade do profissional.
Ana Fernandes - Fale-me de sua experiência na ADEA (Associação de dirigentes de escritórios de Arquitetura).
Neilton Dórea - A ADEA foi uma experiência muito importante. Não foi bem como eu queria. Minha idéia sempre foi que houvesse uma união entre os arquitetos para discutir todos os procedimentos da profissão e que houvesse, claro, o respeito ético, um direcionamento de atitude projetual muito mais coerente, em tecnologia, em cultura, em tudo! No IAB sempre briguei por isso, eu levei essa luta para o IAB. O IAB durante um período não absorveu. Mas durante um período o IAB absorvia todas as coisas, o que eu não acho errado, foi na época muito difícil da Ditadura, o IAB foi aberto, era a "trincheira" para todas minorias, menos para os arquitetos. Todas as tendências políticas estavam lá, mas o IAB esqueceu completamente dos arquitetos. Eu tentei levar e não deu certo. Lourenço Valadares me chamou, na época, para fazer uma associação, ainda tentei levar para o IAB, e lá Salete, que era a presidente do IAB, me disse que o estatuto do IAB não absorvia. O IAB é uma associação de pessoas físicas e não pode ter jurídica! Tentei conseguir uma brecha para realizar, mas não deu! Isso foi mais ou menos em 85, 87.
Quando eu assumi a ADEA, ela estava num processo de degradação total. No início era uma entidade forte, tinha arquitetos, escritórios, patrocinadores. Estruturalmente ela foi muito bem feita. A ADEA tinha quarenta e poucos associados e só, oito pagantes. Nas reuniões não aparecia mais ninguém da Diretoria. Na primeira gestão tentei, tentei... Na segunda gestão, (eu fui reeleito), vi que era impossível, ai acabou a ADEA. Tanto que fiz uma carta renúncia, que diz : "não acreditava em uma entidade que não tinha ideal, não tendo nem o mínimo de apoio dos associados que seria a contribuição financeira, então não haveria sentido em continuar existindo". Assim acabou a ADEA...
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