Ana Fernandes - Conte-me um pouco sobre a sua formação
e sobre quando você saiu da escola, como começou
a trabalhar...
Márcio Neves - Antes de sair da escola, eu tinha
muito interesse em artes, de uma forma geral, música,
artes plásticas... Então, mesmo durante o curso,
tive algumas experiências na área de perspectiva,
na de representação de projeto. Quando saí
da faculdade, procurei esse mercado onde já fazia alguns
trabalhos e tinha uma referência junto aos colegas,
nos escritórios... foi onde tive a minha primeira experiência
profissional ainda na escola. Durante o curso, fui monitor
em perspetiva, com Alberto Fiúza. Quando saí
da faculdade, procurei realmente me informar mais sobre a
possibilidade de trabalhar na área de arquitetura e
conciliar com essa "veia artística". Consegui
um estágio no Rio com o arquiteto, Walter Zolinger,
que é baiano e mora lá a 25 ou 30 anos. Na época,
ele era um dos maiores perspectivistas do Brasil, eu consegui,
através de meu amigo Caramelo, que me indicou. E fui
estagiar lá. Foi uma experiência ótima,
que de certa forma me direcionou para essa área. Era
um escritório que só fazia perspectiva, ele
era arquiteto, a esposa dele também, ela fazia maquetes
num escritório anexo e ele perspectivas.
O meu encaminhamento profissional foi assim um pouco fora
do meio acadêmico, porque não tinha nenhum tipo
de formação. Quem fazia perspectiva era artista,
ia lá pintava e aprendia sozinho! A gente aprendeu
assim, olhando o trabalho dos outros, comparando, olhando
livros, era muito mais na área de arte, apresentação
de croquis, de aquarelas... era tudo muito voltado para a
coisa artezanal. Usávamos aerógrafos, tínhamos
que pintar, usar uma série de técnicas diferentes.
Eu tive uma formação artística independente
da formação técnica de arquitetura, para
poder trabalhar nessa área. Nesse meio tempo, eu ainda
trabalhei na área de projeto, coordenando o escritório
de Alberto Fiúza.
Ana Fernandes - O que você entende por coordenar
projeto?
Márcio Neves - Em alguns escritórios
de arquitetura você tem o arquiteto senior, que dá
a concepção geral do projeto, e tem o encarregado,
o "imediato". No escritório de Fiúza
era assim, a mesma coisa no de Caramelo. Então, sempre
tinha um imediato, depois desse imediato, passava-se todas
as informações do projeto, fazia parte do desenvolvimento,
detalhava, controlava os estagiários, desenhistas,
acompanhava o projeto na prefeitura, fazia esse meio de campo.
Eu fiz isso em escritórios de projeto, no de Caramelo
e no de Fiúza.
Voltando um pouco a questão da perspectiva, quando
voltei do Rio, fui a São Paulo e trabalhei com outro
perspectivista, Roberto Yoshida.
Ele é arquiteto e publicitário, ganhou uma série
de prêmios em São Paulo, como publicitário
e diretor de arte... Saiu da agência e começou
a trabalhar com perspectiva. Montou um grande escritório,
com uma boa estrutura física... em São Paulo
era mais profissional, no Rio a coisa era um pouco mais improvisada.
No Rio era mais romântico, já em São Paulo
trabalhávamos 24 horas fazendo perspectiva, e não
dávamos conta.
Ana Fernandes - Como era esse escritório?
Márcio Neves - Era num prédio com 2 pavimentos,
eram 200m² com mais ou menos 20 pessoas trabalhando,
a maioria eram garotos de 17, 18 anos que tinham aptidão
para desenho. Na verdade tinha só um arquiteto que
fazia a marcação de tudo que o pessoal desenvolvia,
tinha uma estrutura profissional. Aí juntei as duas
coisas, o que conheci lá no Rio, mais romântico,
com a coisa mais profissional de São Paulo, de ganhar
dinheiro, de estruturar uma coisa que é artística
e que podia ser tratada como produto. Voltei com essa idéia
e comecei a trabalhar. Nessa época conheci a perspectiva
feita por computador, isso foi em 89. Em 91, comecei trabalhar
com CAD para usar no trabalho que fazia aqui no escritório.
Isso abriu uma outra possibilidade, porque o computador não
se restringe a apenas uma ferramenta, ele dá uma infinidade
de possibilidades. A partir daí comecei fazer desenvolvimento
de projetos, fazer consultoria para empresas, era muito solicitado.
Comecei pelo mais difícil, o 3D. Era muito mais fácil
fazer o projeto, ele dava uma visão muito maior do
trabalho, diferente de quando se trabalha com 2D.
Caramelo trabalhava com a Encol, na compatibilização
de projetos elétrico, hidráulico, estrutura,
etc. Cada projeto era feito em lugares diferentes do Brasil,
então, com o CAD ficava mais fácil compatibilizar!
Depois que fiz o primeiro trabalho para Caramelo de compatibilização
de projeto, ele me fez uma proposta para trabalhar com sua
empresa do Paraná, onde ele atuava mais e tinha um
escritório. Tivemos a idéia de montar uma estrutura
para atender a Encol e outras empresas.
Ana Fernandes - Compatibilizar projetos de elétrica,
hidráulica...
Márcio Neves - Exatamente! Sempre haviam alterações
de projeto, por exemplo, você colocava um pilar no arquitetônico
e um estruturalista lá de São Paulo fazia uma
alteração e mudava de acordo com os projetos
elétrico e hidráulico... Então, você
tinha que rever tudo isso para prever os problemas, saber
onde furar as vigas etc... Foi aí que a gente teve
essa idéia de montar uma empresa no Paraná.
Nessa época a coisa começou a complicar na Encol
e nós abandonamos a idéia, mas eu acabei ficando
lá no escritório dele. Fizemos uma reestruturação
na maneira como ele trabalhava. Tinham muitos desenhos a mão...
Treinei o pessoal, compramos computadores, programas... montamos
um esquema de produção em CAD.
Ana Fernandes - Como foi sua iniciação
com CAD?
Márcio Neves - Sozinho! Para não dizer
que não fiz nada, fiz um curso de DOS, na Real e Dados,
que não adiantou coisa nenhuma! Fiz um curso de 3D
na Urplan com Carl, mas para saber como é que eles
faziam, para saber se era diferente do que eu fazia, saber
se era certo ou se, só porque eu aprendi sozinho, estava
inventando a roda! Foi mais para entender um pouquinho a tecnologia,
porque eu era leigo no sentido técnico. Eu sabia fazer,
mas o que estava por trás eu não conhecia! Em
tecnologia é assim, você dá a largada,
mas tem que ficar sempre à frente, criando outras possibilidades...
Chegou um ponto que as coisas já estavam estruturadas
e não era bem o que queria. A remuneração.
para o arquiteto é complicada. Primeiro porque o fluxo
é totalmente irregular, segundo que é muito
difícil ter uma equipe boa e pagar bem.
Decidi sair e montar minha empresa, com projeto também,
mas trabalhar nessa outra área de perspectiva, computação
gráfica! Tinha uma série de caminhos diferentes,
na área de publicidade, de vídeo, na área
gráfica... Aí montei a empresa de arquitetura
e multimídia, porque tinham essas duas intenções.
Quando eu vim para cá em 94, comecei trabalhar nessas
duas áreas.
Comecei com um mercado basicamente de arquitetura, com arquitetos
conhecidos e construtoras, que passei conhecer por conta desse
trabalho... dava para conhecer muita gente, ter contatos,
abria um leque de oportunidades por saber computação
gráfica! Eu podia não só oferecer perspectivas,
mas outros serviços. Por exemplo, podia fazer uma logomarca
de uma empresa, montar um layout de como ele ia trabalhar,
ver o material publicitário dele... Eu passei a substituir
um pouco aquela coisa que só a gráfica ou agência
faziam, porque eu tinha as ferramentas, eram as mesmas que
eu utilizava para CAD, para desenvolver e apresentar os projetos,
eram as mesmas que outras áreas usavam para chegar
ao mesmo resultado. Então, a gente investiu muito,
fizemos muita apresentação de projetos arquitetônicos,
mas também trabalhamos em outras áreas, por
exemplo, fizemos apresentações de projetos institucionais
nas áreas de educação, cultura, artes...
Isso era programação visual, só o programador
visual fazia, ele montava o layout, os fotolitos e mandava
para a gráfica. Então, o computador veio e mudou
as coisas. Eu tinha as ferramentas para fazer a editoração
e a impressão, claro que a qualidade não era
a que temos hoje, mas se resolviam muitos casos.
Fizemos muitos contatos com outras áreas e para arquitetura
não fazíamos só a perspectiva, fazíamos
também animação 3D em vídeo -
entrar no ambiente e visita-lo virtualmente... Hoje, que esse
processo foi evoluiu, trabalhamos com ferramentas de multimídia,
internet, realidade virtual... Nesse período teve também
a computação gráfica para publicidade,
produção de vídeos e comerciais, desenho
animado, independente de serem lançamentos imobiliários.
Hoje, fazemos trabalhos também na Internet desenvolvendo
sites, como uma evolução natural deste processo
de comunicação. Desenvolvemos para o cliente
todo o projeto gráfico desde o comercial para TV, panfletos,
folders, site e CD com o mesmo conceito. Nesse momento passamos
a representar uma empresa Suíça, que tem uma
subsidiária no Brasil, a CD Card Latino América,
com o CD Card, que é um Cd em formato de cartão.
Passamos a ser distribuidores deste produto! Começamos
a agregar uma série de mídias, passamos a ser
uma empresa de comunicação, não só
para o mercado imobiliário.
Ana Fernandes - Quantos por cento representa, em termos
financeiros, seu trabalho com arquitetura?
Márcio Neves - Ainda representa bastante, mesmo
não fazendo os trabalhos exclusivamente de arquitetura,
continuam sendo as construtoras nossos maiores clientes.
As perspectivas para o futuro... Apesar de muitas vezes pensar
em sair dessa área por ser muito sofrida, principalmente
em termos financeiros, o resto a gente reclama mas acho normal.
A falta de organização e planejamento atrapalha
muito, as coisas são feitas muito em cima da hora,
até de uma forma meio amadora, os lançamentos
são decididos hoje para acontecerem amanhã!
Não sei se isso é uma contingência do
mercado ou se é uma falta de organização
institucionalizada das empresas que trabalham aqui. Não
sei se no resto do país funciona desta maneira? É
tudo para ontem! Se instituiu isso e me parece um prejuízo
imenso, um desgaste desnecessário, tanto para quem
contrata como para quem trabalha. Você não consegue
fazer o trabalho que queria... Em 13 anos de profissão
eu acho que nunca peguei um lançamento realmente pronto,
50% deles vem em forma de estudo preliminar! Só tem
a planta baixa, rascunhada, sem fachadas, detalhes, especificação
definida... A gente inventa na hora! Quer dizer, levanta o
volume e vamos decidindo na hora, a tecnologia na verdade
favoreceu esse tipo de coisa... Os arquitetos e as construtoras
entenderam que é mais fácil decidir quando se
tem um volume, do que se pensar em planta...
Ana Fernandes - Mas isso como instrumento de tomada
de decisão ou como instrumento de projeto?
Márcio Neves - Bom, hoje ainda como instrumento
de tomada de decisão. Quando um projeto chega definido,
acontece a mesma coisa, o volume está lá pronto,então
vêem os técnicos da construtora, corretores e
as vezes o arquiteto e mudam toda a especificação.
Existe alguma improvisação em função
da pressa. Como não foram estabelecidas previamente,
essas ferramenta tornaram as coisas bem mais simples para
o processo de tomada de decisão. Monta-se aquela casca
e a partir daí vai "recortando" e "colando",
e todos conseguem ter uma idéia do volume final. Na
planta, o arquiteto tinha um pouco mais de poder sobre isso!
Ele tinha as plantas, fachadas e era mais difícil para
os outros preverem o resultado, então ele definia tudo!
Quando você via a perspectiva, o projeto já estava
bem adiantado! Hoje não dá tempo, essa decisão
ficou muito mais a cargo do construtor! Ele decide as especificações
dos materiais...
Ana Fernandes - Você acha que isso tem sido
bom?
Márcio Neves - Não acho! Como a maior
parte dos arquitetos não domina essa ferramenta, eles
ficam um pouco entregues e com a pressa, a agonia, acabam
perdendo um pouco o poder de decisão.
Ana Fernandes - Isso significa também, que,
o arquiteto, quando está fazendo o projeto, ele próprio
não sabe o volume que está criando!?! Não
faz sentido! Se você tem mais ou menos noção
do que está sendo feito, minimamente você tem
argumentos e poder de decisão!
Márcio Neves - Mas tem algumas decisões,
"olha isso não ficou bom!", "desse ângulo
pesou muito"... Tem algumas decisões estéticas
do projeto que realmente o fato de se ter um modelo facilita
muito! Mesmo que ele tenha a idéia de que aquilo vá
ficar daquela maneira que ele projetou na hora que ele vê
tridimensionalmente é outra coisa.
Ana Fernandes - Na verdade, seria então um
instrumento a mais para o próprio arquiteto, livre
de colocar em cheque...
Márcio Neves - Mas ele poderia ter previsto
antes... se ele tivesse o domínio disso! Acho que é
uma coisa que vai acontecer. Essas ferramentas têm se
desenvolvido de uma forma muito rápida! Talvez não
para essa geração, mas a próxima, com
certeza terá um grande domínio disso!
Uma das coisas que tem prejudicado muito é a falta
de organização, isso tem reflexos em todos os
sentidos. Quando você não planeja, você
tem que reduzir ao máximo os custos...
A coisa tem que ser "para ontem", tem que ser mais
barata em detrimento a qualidade, então se reduz aqui
e ali. O tempo também conta contra a gente, o trabalho
começa a ser achatado, em termos de remuneração,
de qualidade...
Esse tipo de representação tinha uma limitação
física, que precisava de um tempo maior para acontecer,
isso restringia o mercado. Era um "dom" você
pintar, ter uma idéia tridimensional de um projeto...
O profissional era o instrumento que transformava o projeto
em uma coisa física, visualmente real! Só que
agora a ferramenta é outra, não é exatamente
o profissional, claro que para trabalhar é preciso
atender alguns pré requisitos, mas a ferramenta substitui
muito essa capacidade.
Numa realidade em que você está achatando o preço
e a qualidade, em função do tempo e de outras
coisas... ter uma ferramenta que substitui esse "dom",
"democratiza", num sentido perverso, a mediocridade.
Por um lado, essa democratização é boa,
pois dá acesso àqueles que não tinham
facilidade de representação gráfica,
por outro lado leva a qualidade dos trabalhos lá para
baixo.
Tecnicamente o que um faz e o que outro faz, usando a mesma
ferramenta para representação do projeto, não
tem diferença nenhuma! O que vai fazer diferença
é o sentido da mensagem que se quer passar. A peça
gráfica é uma mensagem, o projeto está
dizendo alguma coisa, dependendo do ângulo, o que se
vê, o que está representado, as cores, os planos,
luz e sombra... Tudo aquilo diz alguma coisa! Nesse sentido,
o trabalho perdeu muito!
Eu vejo, nesse segmento de mercado um futuro meio sombrio.
Considerando o mercado local e essa perspectiva do achatamento
qualitativo. Acho que isso vai passar a ser uma ferramenta
meramente técnica. Claro que sempre vai haver aquela
pessoa que faz melhor, que dá o "molho"...
A concorrência tem aumentado muito, pois cada vez mais
pessoas têm acesso as ferramentas. A perspectiva que
vejo nesse segmento é que tecnicamente ele tem muito
a contribuir como ferramenta de projeto, de auxílio
para o arquiteto, mas como produto não vejo um futuro
promissor, só para poucos!
Ana Fernandes - Existem grandes experimentos que são
feitos hoje por arquitetos. Os construtores, no entanto, e
parece que hoje se está buscando uma nova linguagem...
Na construção não parecem interessados
em novas formas de representação...
Márcio Neves Há muito tempo nós
percebemos que não dava só para trabalhar com
esse segmento e manter uma estrutura, pensar em crescer, etc.
Então, nós começamos a trabalhar com
multimídia, usando outras ferramentas, e, hoje, está
equilibrando o mercado, nos dois segmento para a gente...
Se a gente tentasse só nas forma tradicionais de representação
seria complicado!
Ana Fernandes - Em algumas Escolas de Arquitetura
dos EUA, os melhores profissionais estão sendo absorvidos
por empresas que desenvolvem programas gráficos como
por exemplo para a vídeo-games, e por empresas incubadas
à indústria cinematográfica, para desenvolvimento
de cenários, animação... Há um
campo, um caminho por aí?
Márcio Neves - A gente está tentando
na verdade, descobrir novos caminhos com a experiência
que tivemos, com o uso desses novos meios e de todas essas
ferramentas nesses últimos anos, encontrar novos rumos
e inventar novos produtos, que talvez passem um pouco pelo
mercado de arquitetura, mas que não seja exclusivo.
Os conhecimentos do arquiteto são abrangentes e precisam
ser explorados. Arquiteto não é só aquele
que trabalha para o mercado imobiliário.
Ana Fernandes - Em que você acha que a sua formação
em arquitetura ajudou nisso, ou não ajudou em nada...
Márcio Neves - Muito. Primeiro porque os conhecimentos
que adquiri como arquiteto tanto técnicos quanto artísticos
ainda são a base do meu trabalho mesmo quando não
estou projetando. Segundo porque eu estava no meio, a maioria
dos meus clientes pertencem a esse meio, são arquitetos
que me indicaram a construtores e afins.
Conheço, hoje, uma grande parte dos arquitetos que
atuam aqui, e é interessante que boa parte dos arquitetos
não se conhecem, não há interação...
Eu, felizmente, conheço por conta desse trabalho, que
me deu essa oportunidade. Eu não teria começado
sem a informação técnica, sem a visão
de projeto. Essa formação me ajudou muito na
capacidade de visualização, entender o objeto
espacialmente, minha formação me ajudou a prestar
melhor esse serviço.
Ana Fernandes - Em termos de arquitetura, o que você
mais trabalha? Quer dizer, como é o processo de composição?
Márcio Neves - A maioria das pessoas que trabalham
aqui são arquitetos, sempre foi a grande maioria. Principalmente
porque sempre procurei em arquitetura, talvez por encontrar
pessoas com os mesmos interesses que eu. Como antes não
tinham pessoas muitas habilitadas para trabalhar com computação
gráfica, era mais fácil pegar um estudante de
arquitetura, que já possuía a visão espacial
e treinar do que alguém de outra área, que não
soubesse nada de arquitetura, teria que começar do
zero.
Ana Fernandes - E hoje, você acha que existem
outras áreas que estariam formando pessoas com esse
perfil, ou dominando as ferramentas? O CAD, hoje, está
basicamente localizado, em termos de formação,
na Faculdade de Arquitetura!
Márcio Neves - Eu não sei. Bom, eu tenho
um amigo, em artes plásticas, formado já a mais
ou menos 10 anos, e ele reclamava exatamente disso, que não
existia a possibilidade de aprender a usar o computador no
lugar das outras técnicas... Hoje é possível
se ter o mesmo resultado, em termos de textura, de técnica
de pintura usando o computador!
Ana Fernandes - E em termos de atualização,
para computação gráfica esses cursos
custam caro! O CAD, por exemplo, se renova a cada 3 anos...
Márcio Neves - Isso é um problema gravíssimo!
Na verdade, esse é o maior desafio, o que torna caro
e difícil a prestação desses serviços.
Você tem que ter um tempo para trabalhar e para estudar,
caso você passe um ano sem se atualizar, você
fica para trás. Obviamente você tem custos, o
do software, da instalação física, e
ainda tem o custo de treinamento nessa nova versão.
Ana Fernandes - E como você faz?
Márcio Neves - Eu tenho que parar um tempo.
Tem eventos nos EUA que eu vou para me atualizar, dá
para ir de dois em dois anos.
Você pode se atualizar bastante pela Internet, é
uma grande ferramenta, com paciência e tempo, dá
para se manter por dentro das novidades
É um esforço muito grande! Agora, tem as suas
alegrias... Para quem no começo viveu uma situação
extremamente limitada, hoje é uma alegria muito grande
conseguir representar uma perspectiva com fidelidade fotográfica!
O que eu acho complicado é que não se paga o
preço justo pôr esse esforço.
Por exemplo, em Medicina, Direito você tem especialidades,
em Arquitetura é um negócio meio tirano! Ou
você faz projeto, ou você não é
quase arquiteto! Pôr muito tempo eu fui chamado de "perspectivista",
como se um arquiteto não pudesse ser um. É como
se um Médico não pudesse ser oftalmologista,
diferente de cirurgião!
Eu continuo sendo arquiteto, mesmo que eu hoje faça
muito menos projeto, em proporção às
outras coisas que faço na área de multimídia,
que não tem uma categoria específica, mas eu
vejo o arquiteto como parte disso! O arquiteto tem uma formação
multidisciplinar que se insere nessa multimídia. Quando
eu faço multimídia, eu não penso que
deixei de ser arquiteto e sou um técnico em informática...
Sou um arquiteto que domina essas ferramentas gráficas,
que nem todos dominam.
Ana Fernandes - E o resto do mercado nessa área
em Salvador? Tem muito arquiteto?
Márcio Neves - Em computação gráfica,
eu acho que tem. Eu diria que durante o curso, muitos colegas
se formaram para ser publicitários, para trabalhar
com programação visual, trabalhar com multimídia...
Eu acho que a profissão permite muito isso!
Ana Fernandes - E no interior da Bahia?
Márcio Neves - Não tenho essa experiência.
Conheço muito pouco, me surpreendo quando encontro
um arquiteto trabalhando exclusivamente com projeto no interior.
São poucos, a coisa é muito centralizada.
Ana Fernandes - Agora, Márcio, para você
montar o escritório você teve um treinamento
empresarial. Como é que é isso do ponto de vista
do aluno que saiu da escola, e que não tem uma relação
estável...
Márcio Neves - Para min foi mais difícil
ainda pelo meu perfil psicológico. Quando comecei,
não queria ser empresário, e hoje ainda digo
"não sou empresário". Eu sou empreendedor,
é diferente! Não tive uma formação
empresarial ou de marketing. Tive que aprender, a cobrar,
a negociar, a vender... Fiz alguns cursos no SEBRAE. Recentemente
fiz um curso de 4 meses de gestão empresarial.
Isso foi meio forçado, não foi uma coisa que
escolhi com prazer, ter funções administrativas,
cuidar de dinheiro... Hoje, tem uma pessoa que, graças
a Deus, cuida de tudo!
A minha expectativa, agora, é trabalhar com outros
projetos. Procuro mais tranquilidade porque hoje a coisa tem
sido muito difícil. Tenho vivido pouco os trabalhos,
a gente tem muito pouco tempo para finalizar os projetos.
Passa a ser quase produção em série.
Acho que precisamos de um outro momento, pegar um trabalho,
pensar mais nele, ver a sua contribuição naquilo
que você faz. Hoje é sempre aquela agonia...
Ana Fernandes - E o pessoal da faculdade que chega
aqui, como você avalia o desempenho dele?
Márcio Neves - Em termos de formação,
para o que a gente faz aqui é pouco. O que eles sabem
no CAD é o mínimo. Em termos de projeto, o básico
já resolve. Ultimamente eles têm mais domínio
sobre essas ferramentas, já estão mais acostumados.
Mas ainda há uma grande dificuldade. A maioria não
sabe lidar com problemas. Eles estão acostumados a
pegar uma ferramenta e alguém dizer como é que
faz, a coisa virou manual de instrução! È
muito difícil encontrar um cara safo! Que vai atrás
da solução do problema. Eu acho que isso não
depende da informação, acho que depende da visão
que ele tem enquanto profissional. Aí tem aquela coisa
da escola, de trabalhar com projetos mirabolantes mas que
não preparam para o problema prático, aquele
que acontece no dia a dia, que ele tem de resolver sozinho,
não se chega a enfrentar os problemas da prática.
Falta criatividade para achar a solução, transpor
os obstáculos. Tem que ter visão de estética,
saber resolver problema, quando não sabe pergunta...
Não espera uma resposta pronta! Esse tipo é
bem difícil! Acho que isso é muito próprio
do processo de formação. Eles não tem
visão empreendedora!
Eu tive uma deficiência muito grande, como todo mundo
quando sai da escola, que é estagiário, quer
aprender, e ao mesmo tempo quer ganhar dinheiro! Mas o ganhar
dinheiro imediatamente é difícil naquele momento...
Os alunos não têm a visão de que estará
ganhando dinheiro daqui a dez anos com o que aprendeu naquele
momento... Não estão preparados para serem empreendedores,
são preparados para serem funcionários! Ao absorverem
um pouco de conhecimento eles acham que já estão
prontos para ganhar dinheiro! Não se interessam em
pesquisar, ser o pioneiro! Essa característica é
agulha no palheiro!
A visão a longo prazo, de estar em movimento, que,
eu acho, é uma característica do artista empreendedor...
Eu acho que morreu um pouco na formação dos
arquitetos! Antes estavam mais preocupados em conhecer e não
em ganhar dinheiro... A visão tem sido a curto prazo!
Mas não tem preocupação com a formação
que o auxiliará futuramente.
Ana Fernandes - Você enxerga, nessa ampla área
de arquitetura, algum segmento, "filão",
que esteja se desenvolvendo bem?
Márcio Neves - Não vejo ninguém
"bem" na vida! Dizendo que tudo está ótimo,
maravilhoso! Mas, eu acho, juntando a informação
de várias áreas, que é uma tendência,
e que o arquiteto exatamente pôr esta formação,
vai ser o integrador dessas tecnologias. O arquiteto, por
sua formação, tem condições de
integrar essas informações. Essa deve ser uma
característica a ser explorada na formação
do arquiteto.
Outra coisa, que eu acho que é uma tendência,
são as especialidades, mas em arquitetura não
existe muito isso... Hoje, você tem o arquiteto em arquitetura
de interior, projeto, urbanismo... mais uma coisa ou outra
e acabou! Existem várias possibilidades para o arquiteto.
Acho que existem muitas especialidades dentro do nosso tipo
de trabalho que podemos explorar. Por exemplo, a programação
visual para arquitetura, utilizando os softwares que temos
hoje, é uma área de trabalho; geoprocessamento;
animação tridimensional etc... Já existe
a tecnologia, mas é pouco utilizada.
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