por: Ana Fernandes
data: 27 de novembro de 2001
 

Ana Fernandes - Conte-me um pouco sobre a sua formação e sobre quando você saiu da escola, como começou a trabalhar...
Márcio Neves - Antes de sair da escola, eu tinha muito interesse em artes, de uma forma geral, música, artes plásticas... Então, mesmo durante o curso, tive algumas experiências na área de perspectiva, na de representação de projeto. Quando saí da faculdade, procurei esse mercado onde já fazia alguns trabalhos e tinha uma referência junto aos colegas, nos escritórios... foi onde tive a minha primeira experiência profissional ainda na escola. Durante o curso, fui monitor em perspetiva, com Alberto Fiúza. Quando saí da faculdade, procurei realmente me informar mais sobre a possibilidade de trabalhar na área de arquitetura e conciliar com essa "veia artística". Consegui um estágio no Rio com o arquiteto, Walter Zolinger, que é baiano e mora lá a 25 ou 30 anos. Na época, ele era um dos maiores perspectivistas do Brasil, eu consegui, através de meu amigo Caramelo, que me indicou. E fui estagiar lá. Foi uma experiência ótima, que de certa forma me direcionou para essa área. Era um escritório que só fazia perspectiva, ele era arquiteto, a esposa dele também, ela fazia maquetes num escritório anexo e ele perspectivas.
O meu encaminhamento profissional foi assim um pouco fora do meio acadêmico, porque não tinha nenhum tipo de formação. Quem fazia perspectiva era artista, ia lá pintava e aprendia sozinho! A gente aprendeu assim, olhando o trabalho dos outros, comparando, olhando livros, era muito mais na área de arte, apresentação de croquis, de aquarelas... era tudo muito voltado para a coisa artezanal. Usávamos aerógrafos, tínhamos que pintar, usar uma série de técnicas diferentes. Eu tive uma formação artística independente da formação técnica de arquitetura, para poder trabalhar nessa área. Nesse meio tempo, eu ainda trabalhei na área de projeto, coordenando o escritório de Alberto Fiúza.

Ana Fernandes - O que você entende por coordenar projeto?
Márcio Neves - Em alguns escritórios de arquitetura você tem o arquiteto senior, que dá a concepção geral do projeto, e tem o encarregado, o "imediato". No escritório de Fiúza era assim, a mesma coisa no de Caramelo. Então, sempre tinha um imediato, depois desse imediato, passava-se todas as informações do projeto, fazia parte do desenvolvimento, detalhava, controlava os estagiários, desenhistas, acompanhava o projeto na prefeitura, fazia esse meio de campo. Eu fiz isso em escritórios de projeto, no de Caramelo e no de Fiúza.
Voltando um pouco a questão da perspectiva, quando voltei do Rio, fui a São Paulo e trabalhei com outro perspectivista, Roberto Yoshida.
Ele é arquiteto e publicitário, ganhou uma série de prêmios em São Paulo, como publicitário e diretor de arte... Saiu da agência e começou a trabalhar com perspectiva. Montou um grande escritório, com uma boa estrutura física... em São Paulo era mais profissional, no Rio a coisa era um pouco mais improvisada. No Rio era mais romântico, já em São Paulo trabalhávamos 24 horas fazendo perspectiva, e não dávamos conta.

Ana Fernandes - Como era esse escritório?
Márcio Neves - Era num prédio com 2 pavimentos, eram 200m² com mais ou menos 20 pessoas trabalhando, a maioria eram garotos de 17, 18 anos que tinham aptidão para desenho. Na verdade tinha só um arquiteto que fazia a marcação de tudo que o pessoal desenvolvia, tinha uma estrutura profissional. Aí juntei as duas coisas, o que conheci lá no Rio, mais romântico, com a coisa mais profissional de São Paulo, de ganhar dinheiro, de estruturar uma coisa que é artística e que podia ser tratada como produto. Voltei com essa idéia e comecei a trabalhar. Nessa época conheci a perspectiva feita por computador, isso foi em 89. Em 91, comecei trabalhar com CAD para usar no trabalho que fazia aqui no escritório. Isso abriu uma outra possibilidade, porque o computador não se restringe a apenas uma ferramenta, ele dá uma infinidade de possibilidades. A partir daí comecei fazer desenvolvimento de projetos, fazer consultoria para empresas, era muito solicitado. Comecei pelo mais difícil, o 3D. Era muito mais fácil fazer o projeto, ele dava uma visão muito maior do trabalho, diferente de quando se trabalha com 2D.
Caramelo trabalhava com a Encol, na compatibilização de projetos elétrico, hidráulico, estrutura, etc. Cada projeto era feito em lugares diferentes do Brasil, então, com o CAD ficava mais fácil compatibilizar! Depois que fiz o primeiro trabalho para Caramelo de compatibilização de projeto, ele me fez uma proposta para trabalhar com sua empresa do Paraná, onde ele atuava mais e tinha um escritório. Tivemos a idéia de montar uma estrutura para atender a Encol e outras empresas.

Ana Fernandes - Compatibilizar projetos de elétrica, hidráulica...
Márcio Neves - Exatamente! Sempre haviam alterações de projeto, por exemplo, você colocava um pilar no arquitetônico e um estruturalista lá de São Paulo fazia uma alteração e mudava de acordo com os projetos elétrico e hidráulico... Então, você tinha que rever tudo isso para prever os problemas, saber onde furar as vigas etc... Foi aí que a gente teve essa idéia de montar uma empresa no Paraná. Nessa época a coisa começou a complicar na Encol e nós abandonamos a idéia, mas eu acabei ficando lá no escritório dele. Fizemos uma reestruturação na maneira como ele trabalhava. Tinham muitos desenhos a mão... Treinei o pessoal, compramos computadores, programas... montamos um esquema de produção em CAD.

Ana Fernandes - Como foi sua iniciação com CAD?
Márcio Neves - Sozinho! Para não dizer que não fiz nada, fiz um curso de DOS, na Real e Dados, que não adiantou coisa nenhuma! Fiz um curso de 3D na Urplan com Carl, mas para saber como é que eles faziam, para saber se era diferente do que eu fazia, saber se era certo ou se, só porque eu aprendi sozinho, estava inventando a roda! Foi mais para entender um pouquinho a tecnologia, porque eu era leigo no sentido técnico. Eu sabia fazer, mas o que estava por trás eu não conhecia! Em tecnologia é assim, você dá a largada, mas tem que ficar sempre à frente, criando outras possibilidades...
Chegou um ponto que as coisas já estavam estruturadas e não era bem o que queria. A remuneração. para o arquiteto é complicada. Primeiro porque o fluxo é totalmente irregular, segundo que é muito difícil ter uma equipe boa e pagar bem.
Decidi sair e montar minha empresa, com projeto também, mas trabalhar nessa outra área de perspectiva, computação gráfica! Tinha uma série de caminhos diferentes, na área de publicidade, de vídeo, na área gráfica... Aí montei a empresa de arquitetura e multimídia, porque tinham essas duas intenções. Quando eu vim para cá em 94, comecei trabalhar nessas duas áreas.
Comecei com um mercado basicamente de arquitetura, com arquitetos conhecidos e construtoras, que passei conhecer por conta desse trabalho... dava para conhecer muita gente, ter contatos, abria um leque de oportunidades por saber computação gráfica! Eu podia não só oferecer perspectivas, mas outros serviços. Por exemplo, podia fazer uma logomarca de uma empresa, montar um layout de como ele ia trabalhar, ver o material publicitário dele... Eu passei a substituir um pouco aquela coisa que só a gráfica ou agência faziam, porque eu tinha as ferramentas, eram as mesmas que eu utilizava para CAD, para desenvolver e apresentar os projetos, eram as mesmas que outras áreas usavam para chegar ao mesmo resultado. Então, a gente investiu muito, fizemos muita apresentação de projetos arquitetônicos, mas também trabalhamos em outras áreas, por exemplo, fizemos apresentações de projetos institucionais nas áreas de educação, cultura, artes... Isso era programação visual, só o programador visual fazia, ele montava o layout, os fotolitos e mandava para a gráfica. Então, o computador veio e mudou as coisas. Eu tinha as ferramentas para fazer a editoração e a impressão, claro que a qualidade não era a que temos hoje, mas se resolviam muitos casos.
Fizemos muitos contatos com outras áreas e para arquitetura não fazíamos só a perspectiva, fazíamos também animação 3D em vídeo - entrar no ambiente e visita-lo virtualmente... Hoje, que esse processo foi evoluiu, trabalhamos com ferramentas de multimídia, internet, realidade virtual... Nesse período teve também a computação gráfica para publicidade, produção de vídeos e comerciais, desenho animado, independente de serem lançamentos imobiliários. Hoje, fazemos trabalhos também na Internet desenvolvendo sites, como uma evolução natural deste processo de comunicação. Desenvolvemos para o cliente todo o projeto gráfico desde o comercial para TV, panfletos, folders, site e CD com o mesmo conceito. Nesse momento passamos a representar uma empresa Suíça, que tem uma subsidiária no Brasil, a CD Card Latino América, com o CD Card, que é um Cd em formato de cartão. Passamos a ser distribuidores deste produto! Começamos a agregar uma série de mídias, passamos a ser uma empresa de comunicação, não só para o mercado imobiliário.

Ana Fernandes - Quantos por cento representa, em termos financeiros, seu trabalho com arquitetura?
Márcio Neves - Ainda representa bastante, mesmo não fazendo os trabalhos exclusivamente de arquitetura, continuam sendo as construtoras nossos maiores clientes.
As perspectivas para o futuro... Apesar de muitas vezes pensar em sair dessa área por ser muito sofrida, principalmente em termos financeiros, o resto a gente reclama mas acho normal. A falta de organização e planejamento atrapalha muito, as coisas são feitas muito em cima da hora, até de uma forma meio amadora, os lançamentos são decididos hoje para acontecerem amanhã! Não sei se isso é uma contingência do mercado ou se é uma falta de organização institucionalizada das empresas que trabalham aqui. Não sei se no resto do país funciona desta maneira? É tudo para ontem! Se instituiu isso e me parece um prejuízo imenso, um desgaste desnecessário, tanto para quem contrata como para quem trabalha. Você não consegue fazer o trabalho que queria... Em 13 anos de profissão eu acho que nunca peguei um lançamento realmente pronto, 50% deles vem em forma de estudo preliminar! Só tem a planta baixa, rascunhada, sem fachadas, detalhes, especificação definida... A gente inventa na hora! Quer dizer, levanta o volume e vamos decidindo na hora, a tecnologia na verdade favoreceu esse tipo de coisa... Os arquitetos e as construtoras entenderam que é mais fácil decidir quando se tem um volume, do que se pensar em planta...

Ana Fernandes - Mas isso como instrumento de tomada de decisão ou como instrumento de projeto?
Márcio Neves - Bom, hoje ainda como instrumento de tomada de decisão. Quando um projeto chega definido, acontece a mesma coisa, o volume está lá pronto,então vêem os técnicos da construtora, corretores e as vezes o arquiteto e mudam toda a especificação. Existe alguma improvisação em função da pressa. Como não foram estabelecidas previamente, essas ferramenta tornaram as coisas bem mais simples para o processo de tomada de decisão. Monta-se aquela casca e a partir daí vai "recortando" e "colando", e todos conseguem ter uma idéia do volume final. Na planta, o arquiteto tinha um pouco mais de poder sobre isso! Ele tinha as plantas, fachadas e era mais difícil para os outros preverem o resultado, então ele definia tudo! Quando você via a perspectiva, o projeto já estava bem adiantado! Hoje não dá tempo, essa decisão ficou muito mais a cargo do construtor! Ele decide as especificações dos materiais...

Ana Fernandes - Você acha que isso tem sido bom?
Márcio Neves - Não acho! Como a maior parte dos arquitetos não domina essa ferramenta, eles ficam um pouco entregues e com a pressa, a agonia, acabam perdendo um pouco o poder de decisão.

Ana Fernandes - Isso significa também, que, o arquiteto, quando está fazendo o projeto, ele próprio não sabe o volume que está criando!?! Não faz sentido! Se você tem mais ou menos noção do que está sendo feito, minimamente você tem argumentos e poder de decisão!
Márcio Neves - Mas tem algumas decisões, "olha isso não ficou bom!", "desse ângulo pesou muito"... Tem algumas decisões estéticas do projeto que realmente o fato de se ter um modelo facilita muito! Mesmo que ele tenha a idéia de que aquilo vá ficar daquela maneira que ele projetou na hora que ele vê tridimensionalmente é outra coisa.

Ana Fernandes - Na verdade, seria então um instrumento a mais para o próprio arquiteto, livre de colocar em cheque...
Márcio Neves - Mas ele poderia ter previsto antes... se ele tivesse o domínio disso! Acho que é uma coisa que vai acontecer. Essas ferramentas têm se desenvolvido de uma forma muito rápida! Talvez não para essa geração, mas a próxima, com certeza terá um grande domínio disso!
Uma das coisas que tem prejudicado muito é a falta de organização, isso tem reflexos em todos os sentidos. Quando você não planeja, você tem que reduzir ao máximo os custos...
A coisa tem que ser "para ontem", tem que ser mais barata em detrimento a qualidade, então se reduz aqui e ali. O tempo também conta contra a gente, o trabalho começa a ser achatado, em termos de remuneração, de qualidade...
Esse tipo de representação tinha uma limitação física, que precisava de um tempo maior para acontecer, isso restringia o mercado. Era um "dom" você pintar, ter uma idéia tridimensional de um projeto...
O profissional era o instrumento que transformava o projeto em uma coisa física, visualmente real! Só que agora a ferramenta é outra, não é exatamente o profissional, claro que para trabalhar é preciso atender alguns pré requisitos, mas a ferramenta substitui muito essa capacidade.
Numa realidade em que você está achatando o preço e a qualidade, em função do tempo e de outras coisas... ter uma ferramenta que substitui esse "dom", "democratiza", num sentido perverso, a mediocridade. Por um lado, essa democratização é boa, pois dá acesso àqueles que não tinham facilidade de representação gráfica, por outro lado leva a qualidade dos trabalhos lá para baixo.
Tecnicamente o que um faz e o que outro faz, usando a mesma ferramenta para representação do projeto, não tem diferença nenhuma! O que vai fazer diferença é o sentido da mensagem que se quer passar. A peça gráfica é uma mensagem, o projeto está dizendo alguma coisa, dependendo do ângulo, o que se vê, o que está representado, as cores, os planos, luz e sombra... Tudo aquilo diz alguma coisa! Nesse sentido, o trabalho perdeu muito!
Eu vejo, nesse segmento de mercado um futuro meio sombrio. Considerando o mercado local e essa perspectiva do achatamento qualitativo. Acho que isso vai passar a ser uma ferramenta meramente técnica. Claro que sempre vai haver aquela pessoa que faz melhor, que dá o "molho"...
A concorrência tem aumentado muito, pois cada vez mais pessoas têm acesso as ferramentas. A perspectiva que vejo nesse segmento é que tecnicamente ele tem muito a contribuir como ferramenta de projeto, de auxílio para o arquiteto, mas como produto não vejo um futuro promissor, só para poucos!

Ana Fernandes - Existem grandes experimentos que são feitos hoje por arquitetos. Os construtores, no entanto, e parece que hoje se está buscando uma nova linguagem... Na construção não parecem interessados em novas formas de representação...
Márcio Neves Há muito tempo nós percebemos que não dava só para trabalhar com esse segmento e manter uma estrutura, pensar em crescer, etc. Então, nós começamos a trabalhar com multimídia, usando outras ferramentas, e, hoje, está equilibrando o mercado, nos dois segmento para a gente... Se a gente tentasse só nas forma tradicionais de representação seria complicado!

Ana Fernandes - Em algumas Escolas de Arquitetura dos EUA, os melhores profissionais estão sendo absorvidos por empresas que desenvolvem programas gráficos como por exemplo para a vídeo-games, e por empresas incubadas à indústria cinematográfica, para desenvolvimento de cenários, animação... Há um campo, um caminho por aí?
Márcio Neves - A gente está tentando na verdade, descobrir novos caminhos com a experiência que tivemos, com o uso desses novos meios e de todas essas ferramentas nesses últimos anos, encontrar novos rumos e inventar novos produtos, que talvez passem um pouco pelo mercado de arquitetura, mas que não seja exclusivo. Os conhecimentos do arquiteto são abrangentes e precisam ser explorados. Arquiteto não é só aquele que trabalha para o mercado imobiliário.

Ana Fernandes - Em que você acha que a sua formação em arquitetura ajudou nisso, ou não ajudou em nada...
Márcio Neves
- Muito. Primeiro porque os conhecimentos que adquiri como arquiteto tanto técnicos quanto artísticos ainda são a base do meu trabalho mesmo quando não estou projetando. Segundo porque eu estava no meio, a maioria dos meus clientes pertencem a esse meio, são arquitetos que me indicaram a construtores e afins.
Conheço, hoje, uma grande parte dos arquitetos que atuam aqui, e é interessante que boa parte dos arquitetos não se conhecem, não há interação... Eu, felizmente, conheço por conta desse trabalho, que me deu essa oportunidade. Eu não teria começado sem a informação técnica, sem a visão de projeto. Essa formação me ajudou muito na capacidade de visualização, entender o objeto espacialmente, minha formação me ajudou a prestar melhor esse serviço.

Ana Fernandes - Em termos de arquitetura, o que você mais trabalha? Quer dizer, como é o processo de composição?
Márcio Neves - A maioria das pessoas que trabalham aqui são arquitetos, sempre foi a grande maioria. Principalmente porque sempre procurei em arquitetura, talvez por encontrar pessoas com os mesmos interesses que eu. Como antes não tinham pessoas muitas habilitadas para trabalhar com computação gráfica, era mais fácil pegar um estudante de arquitetura, que já possuía a visão espacial e treinar do que alguém de outra área, que não soubesse nada de arquitetura, teria que começar do zero.

Ana Fernandes - E hoje, você acha que existem outras áreas que estariam formando pessoas com esse perfil, ou dominando as ferramentas? O CAD, hoje, está basicamente localizado, em termos de formação, na Faculdade de Arquitetura!
Márcio Neves - Eu não sei. Bom, eu tenho um amigo, em artes plásticas, formado já a mais ou menos 10 anos, e ele reclamava exatamente disso, que não existia a possibilidade de aprender a usar o computador no lugar das outras técnicas... Hoje é possível se ter o mesmo resultado, em termos de textura, de técnica de pintura usando o computador!

Ana Fernandes - E em termos de atualização, para computação gráfica esses cursos custam caro! O CAD, por exemplo, se renova a cada 3 anos...
Márcio Neves - Isso é um problema gravíssimo! Na verdade, esse é o maior desafio, o que torna caro e difícil a prestação desses serviços. Você tem que ter um tempo para trabalhar e para estudar, caso você passe um ano sem se atualizar, você fica para trás. Obviamente você tem custos, o do software, da instalação física, e ainda tem o custo de treinamento nessa nova versão.

Ana Fernandes - E como você faz?
Márcio Neves - Eu tenho que parar um tempo. Tem eventos nos EUA que eu vou para me atualizar, dá para ir de dois em dois anos.
Você pode se atualizar bastante pela Internet, é uma grande ferramenta, com paciência e tempo, dá para se manter por dentro das novidades
É um esforço muito grande! Agora, tem as suas alegrias... Para quem no começo viveu uma situação extremamente limitada, hoje é uma alegria muito grande conseguir representar uma perspectiva com fidelidade fotográfica! O que eu acho complicado é que não se paga o preço justo pôr esse esforço.
Por exemplo, em Medicina, Direito você tem especialidades, em Arquitetura é um negócio meio tirano! Ou você faz projeto, ou você não é quase arquiteto! Pôr muito tempo eu fui chamado de "perspectivista", como se um arquiteto não pudesse ser um. É como se um Médico não pudesse ser oftalmologista, diferente de cirurgião!
Eu continuo sendo arquiteto, mesmo que eu hoje faça muito menos projeto, em proporção às outras coisas que faço na área de multimídia, que não tem uma categoria específica, mas eu vejo o arquiteto como parte disso! O arquiteto tem uma formação multidisciplinar que se insere nessa multimídia. Quando eu faço multimídia, eu não penso que deixei de ser arquiteto e sou um técnico em informática... Sou um arquiteto que domina essas ferramentas gráficas, que nem todos dominam.

Ana Fernandes - E o resto do mercado nessa área em Salvador? Tem muito arquiteto?
Márcio Neves - Em computação gráfica, eu acho que tem. Eu diria que durante o curso, muitos colegas se formaram para ser publicitários, para trabalhar com programação visual, trabalhar com multimídia... Eu acho que a profissão permite muito isso!

Ana Fernandes - E no interior da Bahia?
Márcio Neves - Não tenho essa experiência. Conheço muito pouco, me surpreendo quando encontro um arquiteto trabalhando exclusivamente com projeto no interior. São poucos, a coisa é muito centralizada.

Ana Fernandes - Agora, Márcio, para você montar o escritório você teve um treinamento empresarial. Como é que é isso do ponto de vista do aluno que saiu da escola, e que não tem uma relação estável...
Márcio Neves - Para min foi mais difícil ainda pelo meu perfil psicológico. Quando comecei, não queria ser empresário, e hoje ainda digo "não sou empresário". Eu sou empreendedor, é diferente! Não tive uma formação empresarial ou de marketing. Tive que aprender, a cobrar, a negociar, a vender... Fiz alguns cursos no SEBRAE. Recentemente fiz um curso de 4 meses de gestão empresarial.
Isso foi meio forçado, não foi uma coisa que escolhi com prazer, ter funções administrativas, cuidar de dinheiro... Hoje, tem uma pessoa que, graças a Deus, cuida de tudo!
A minha expectativa, agora, é trabalhar com outros projetos. Procuro mais tranquilidade porque hoje a coisa tem sido muito difícil. Tenho vivido pouco os trabalhos, a gente tem muito pouco tempo para finalizar os projetos. Passa a ser quase produção em série. Acho que precisamos de um outro momento, pegar um trabalho, pensar mais nele, ver a sua contribuição naquilo que você faz. Hoje é sempre aquela agonia...

Ana Fernandes - E o pessoal da faculdade que chega aqui, como você avalia o desempenho dele?
Márcio Neves - Em termos de formação, para o que a gente faz aqui é pouco. O que eles sabem no CAD é o mínimo. Em termos de projeto, o básico já resolve. Ultimamente eles têm mais domínio sobre essas ferramentas, já estão mais acostumados. Mas ainda há uma grande dificuldade. A maioria não sabe lidar com problemas. Eles estão acostumados a pegar uma ferramenta e alguém dizer como é que faz, a coisa virou manual de instrução! È muito difícil encontrar um cara safo! Que vai atrás da solução do problema. Eu acho que isso não depende da informação, acho que depende da visão que ele tem enquanto profissional. Aí tem aquela coisa da escola, de trabalhar com projetos mirabolantes mas que não preparam para o problema prático, aquele que acontece no dia a dia, que ele tem de resolver sozinho, não se chega a enfrentar os problemas da prática. Falta criatividade para achar a solução, transpor os obstáculos. Tem que ter visão de estética, saber resolver problema, quando não sabe pergunta... Não espera uma resposta pronta! Esse tipo é bem difícil! Acho que isso é muito próprio do processo de formação. Eles não tem visão empreendedora!
Eu tive uma deficiência muito grande, como todo mundo quando sai da escola, que é estagiário, quer aprender, e ao mesmo tempo quer ganhar dinheiro! Mas o ganhar dinheiro imediatamente é difícil naquele momento... Os alunos não têm a visão de que estará ganhando dinheiro daqui a dez anos com o que aprendeu naquele momento... Não estão preparados para serem empreendedores, são preparados para serem funcionários! Ao absorverem um pouco de conhecimento eles acham que já estão prontos para ganhar dinheiro! Não se interessam em pesquisar, ser o pioneiro! Essa característica é agulha no palheiro!
A visão a longo prazo, de estar em movimento, que, eu acho, é uma característica do artista empreendedor... Eu acho que morreu um pouco na formação dos arquitetos! Antes estavam mais preocupados em conhecer e não em ganhar dinheiro... A visão tem sido a curto prazo! Mas não tem preocupação com a formação que o auxiliará futuramente.

Ana Fernandes - Você enxerga, nessa ampla área de arquitetura, algum segmento, "filão", que esteja se desenvolvendo bem?
Márcio Neves - Não vejo ninguém "bem" na vida! Dizendo que tudo está ótimo, maravilhoso! Mas, eu acho, juntando a informação de várias áreas, que é uma tendência, e que o arquiteto exatamente pôr esta formação, vai ser o integrador dessas tecnologias. O arquiteto, por sua formação, tem condições de integrar essas informações. Essa deve ser uma característica a ser explorada na formação do arquiteto.
Outra coisa, que eu acho que é uma tendência, são as especialidades, mas em arquitetura não existe muito isso... Hoje, você tem o arquiteto em arquitetura de interior, projeto, urbanismo... mais uma coisa ou outra e acabou! Existem várias possibilidades para o arquiteto. Acho que existem muitas especialidades dentro do nosso tipo de trabalho que podemos explorar. Por exemplo, a programação visual para arquitetura, utilizando os softwares que temos hoje, é uma área de trabalho; geoprocessamento; animação tridimensional etc... Já existe a tecnologia, mas é pouco utilizada.

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