Ana Fernandes - Conte-nos um pouco da história
do seu escritório.
Itamar Batista - O nosso escritório já
tem mais de 40 anos. Quando eu estava no segundo ano da faculdade,
ainda na década de 50, comprei uma prancheta e botei
no meu quarto. Eu era office-boy, minha família não
tinha muitos recursos, morávamos no fim de linha do
bonde de Brotas. Então, eu achei que deveria ampliar
meus conhecimentos dentro da minha própria casa, trabalhando,
batalhando, fazendo levantamento cadastral, fazendo projetinhos,
desenhando. Assim que começou! Contando o tempo de
desenhista de arquitetura, já se vão mais de
40 anos!
Diplomei-me em 60. Antes de ter me formado, eu já tinha
uma sociedade com dois colegas de turma Oscar Marback e Leobaldo
Branco. Iniciamos com desenhos arquitetônicos, e, logo
depois, começamos a trabalhar em projetos e pequenas
obras. Assim, fizemos uma firma de arquitetura que se chamava
ILO CONSTRUÇÕES E ARQUITETURA LTDA. Empresa,
mesmo, de arquitetura, eu tenho a impressão que a nossa
foi a primeira. É importante frisar que embora Oscar
fosse genro do governador da época, Dr. Antônio
Balbino, jamais utilizou seu parentesco para angariar benefícios
próprios ou para a nossa firma, Oscar tinha e tem até
hoje um excelente caráter.
Conseguimos fazer vários projetos e anos depois pegamos
uma obra em Ilhéus, que nos deu um prejuízo
muito grande... E eu senti a necessidade de desfazer o escritório!
A partir daí eu fiquei sem me associar durante algum
tempo. Mas, sempre trabalhando como arquiteto! Durante toda
a minha vida... O que eu chamo de arquiteto militante. São
aqueles que fazem permanentemente e somente, projetos nos
seus próprios escritórios. Acredito que arquitetos
são arquitetos de um modo geral, lógico! Mas
eu digo que ele é militante, porque eu tenho consciência
de que esse é o arquiteto que mais luta e mais sofre!
Quando eu me refiro aos arquitetos militantes, refiro-me àqueles
que pagam aluguel, energia, condomínio, telefones,
internet, PIS, COFINS, IRPJ, Contribuição Social,
FGTS, INSS, CREA (PF), CREA (PJ), Sindicato, Imposto Sindical,
TLF e, religiosamente, os salários, parcos ou não,
de seus auxiliares para não quebrar a cara na Justiça
do Trabalho.
Eu levei um tempo sem sociedade, mas estabeleci uma outra,
em 1969 com o arquiteto Cid Oliveira Filho, também
ligada a construção civil. Chamava-se PREDIL
- Projetos, Edificações e Incorporações
Ltda; nós também terminamos essa sociedade porque,
da mesma maneira que a anterior não deu muito certo;
a atividade do construtor gera muitos problemas, custos exagerados,
investimentos etc... Não tínhamos condições
de manter uma empresa construtora. Nitidamente por uma questão
de minha incompetência quebrou a primeira e quebrou
a segunda. Aí, eu achei que não tinha mais nenhum
interesse de construir, nem de me ligar a colegas construtores,
ainda que, grandes amigos.
Continuei trabalhando sozinho, e com o tempo passei a ter
uma carga de trabalho intensa, por isso acabei por convidar
o arquiteto Ricardo d' Albuquerque para ser meu sócio.
Iniciamos a sociedade, mais ou menos, em 74. Ele é
um arquiteto excelente, um rapaz muito inteligente... Mas
não deu certo como sócio! Desde 70 vivíamos
um período de intenso crescimento; foi um período
que, de uma certa forma, o Brasil começou a crescer
com altos índices de PIB. Eu tenho, hoje, uma clara
idéia de que existe uma relação muito
forte entre o aumento do PIB e a ação do arquiteto.
Em 72/74 comecei a desenvolver uma atividade muito ampla de
projetos em Aracaju. Em 70, eu havia feito o Motel Vela Branca
na Av. ACM, um empreendimento de Álvaro Lemos, um dos
engenheiros mais competentes de Salvador e a quem devo grande
parte de minha formação técnica. Na verdade,
a planta não era de um motel típico, como se
entende atualmente, e sim um hotel para hóspedes, muito
amplo e confortável. Nessa oportunidade veio um engenheiro
de Sergipe e ficou hospedado nesse hotel e tendo gostado muito
do projeto, procurou saber qual o arquiteto que tinha feito
e apareceu aqui, no meu escritório. O nome dele, João
Alves Filho. Ele queria fazer um hotel idêntico em Aracaju
e pediu que repetíssemos a planta, disse a ele que
idêntico não seria interessante fazer, mas me
propunha a fazer algo similar etc. e tal, também em
tijolos aparentes de concreto, os mesmos que eram fabricados
pela Odebrecht com um knowhow alemão, chamados blocos
Silical.
Finalmente e felizmente, nós fizemos o trabalho e,
a partir daí realizamos vários projetos para
a Habitacional, empresa recém-fundada pelo mesmo João
Alves. Na verdade, ele era um engenheiro extremamente atuante
em Aracaju e a partir das escolhas dos prefeitos em eleição
indireta, foi indicado pelo governador de Sergipe para ser
o prefeito da capital. Teve uma revolucionária administração,
sei muito bem, porque participei ativamente dos seus inumeráveis
trabalhos como prefeito e depois ele foi governador, Ministro
do Interior, e novamente Governador.
Depois desse período, de uma atividade muito intensa
em Aracaju, houve um pequeno intervalo, quando eu fui indicado
para ser diretor do OCEPLAN...
Ana Fernandes - O que se construía? Que atividades
e que programas eram desenvolvidos?
Itamar Batista - Em Aracaju, eu tive a atividade direcionada
a conjuntos habitacionais, edifícios de apartamentos
e hospitais. Aqui, na Bahia, atividade variada, em projetos
de toda natureza. Nessa época, aluguei o rés-do-chão
da minha casa para a Emprend, firma criada por Álvaro
Lemos Filho, já citado, para qual eu fiz muitos edifícios
de apartamentos. Na verdade, eu nunca me liguei muito ao mercado
imobiliário de Salvador. Fora dessa atividade que eu
tive com a EMPREND, nunca cavei, nunca me propus, nem nunca
procurei o mercado imobiliário de Salvador, mesmo porque
naquela época era um mercado extremamente contaminado,
como é até hoje. Depois eu digo que nível
de contaminação é essa.
Também fiz alguns Hospitais em Sergipe. Comecei fazendo
um hospital de obstetrícia, o "Santa Mônica",
depois eu fiz um outro hospital, o "São Lucas".
Porque fiz esses dois hospitais, comecei a me interessar pelo
assunto de hospitais e fui para São Paulo atrás
de informação sobre edifícios hospitalares
e lá me associei à Associação
Paulista de Hospitais, onde desenvolvi alguns conhecimentos,
sob a notável liderança do professor Odair Pedroso,
que era considerado o Papa da arquitetura hospitalar brasileira,
a quem tinha conhecido aqui na Bahia, no Hospital Português.
Eu já tinha feito há mais tempo, um curso de
planejamento em saúde pública na USP, concomitante
com a minha especialização no Centro de Pesquisas
e Estudos Urbanísticos da FAU-USP. O curso foi feito
na Escola de Higiene e Saúde Pública da USP,
onde o prof. Odair era diretor, e nessas ligações
eu acabei aprofundando os estudos sobre arquitetura hospitalar.
Já depois de 80, o então governador de Sergipe,
justamente o Dr. João Alves Filho, convidou-me para
fazer um hospital de pronto socorro em Aracaju. Começou
como um hospital de médio por ter uns 100 leitos, e,
hoje, é um dos maiores do Nordeste. Um hospital geral,
completo, quase 400 leitos, com todos os serviços de
atendimento de saúde, para o qual fizemos os vários
projetos de ampliação. No momento estamos terminando
uma nova UTI e uma unidade de radioterapia e medicina nuclear,
que é uma coisa muito específica.
Continuei fazendo aqui as minhas arquiteturas, de um modo
geral, sedes de empresas privadas, residências, igrejas...
Eu tinha também a atividade, juntamente com o escritório,
de ensino de arquitetura, além de ser arquiteto da
Secretaria da Agricultura.
Ana Fernandes - Quando você começou a
ensinar na FAUFBa?
Itamar Batista - Em 61, aos 22 anos, imediatamente
após me formar, indicado pelo grande mestre que tive,
Pasqualino Magnavita, a quem devo, efetivamente, minha formação
de arquiteto. Ao professor Américo Simas Filho devo
meu senso de responsabilidade e o profundo respeito que tenho
à Ética Profissional. Trabalhava muito na Faculdade,
com muito orgulho digo isso, sempre fazia o máximo
que eu podia. Misteriosamente, multiplicando o meu tempo,
eu trabalhava no meu escritório, na Faculdade e na
Secretaria da Agricultura, onde eu fiz muitos trabalhos de
parques de pecuária, pelo interior do estado, inclusive
o Parque de Exposições Agropecuárias
de Salvador; Ricardo teve participação. Quando
no Departamento de Transportes e Terminais, só de rodoviárias
eu projetei umas 30, mas não foi só isso, tive
muitos outros projetos que não foram construídos.
Trabalhava como até hoje, até 10, 11, meia noite,
sábados e domingos... Não entendo porque não
consegui ficar rico. Atividade de arquiteto não tem
horário! Trabalha toda hora que pode, sabe Ana, para
você exercer uma atividade, realmente, séria,
você trabalha mais do que pessoas de outras profissões.
Tenho absoluta certeza de que é assim!
Aglaé - Com a tecnologia, com a informática,
tem redução de tempo de trabalho?
Itamar Batista - Imaginar que há redução
de tempo? Olha, eu acho que é uma balela! Acho que
é uma ferramenta que dá ao arquiteto a possibilidade
de desenvolver um trabalho com mais precisão, com mais
informações, de qualidade melhor. Certo! Eu
não tenho dúvida de que o tempo que você
gasta nos trabalhos feitos no AutoCAD é menor do que
se estivesse na base da tinta. Esses trabalhos de hoje são
muito mais informativos do que os trabalhos de antigamente.
A qualidade do projeto hoje é uma exigência muito
grande. O trabalho de arquitetura passou ser muito mais preciso
pelas exigências da construção civil e
pela quase total dependência que os engenheiros e os
projetos complementares têm do arquiteto.
A vantagem do CAD é refazer plantas com maior velocidade,
isto é tendo-se o projeto, modificá-lo, consertá-lo,
e aí você pode agir com muito mais rapidez do
que se fazia antes. Isso é fantástico! Então
isso acaba com o que eu disse que é uma balela. Agora,
o que existe é que as plantas precisam de um tempo
maior para serem produzidas e isso demora o projeto de uma
maneira considerável!
Aglaé - Você já cria trabalhando
no AutoCAD?
Itamar Batista - Não! Eu não me sentiria
bem! Primeiro, porque eu não sei trabalhar em AutoCAD.
Eu me acostumei a trabalhar com o lápis, até
quando eu converso fico riscando alguma coisa. Então,
os arquitetos mais jovens, provavelmente, devem trabalhar,
conversar, com o teclado na mão... O mesmo esquema
que a gente tem, de ficar falando e riscando. É quase
que um vício de arquitetos antigos! Ou então,
um vírus de arquiteto, porque passa de um para o outro!
Meus desenhos todos eu faço na base do lápis
com ou sem escala. Feito ou não, com escala, eu apresento
o desenho, o mais desenvolvido possível para ser digitalizado.
Ana Fernandes - Vamos voltar só um pouquinho
para recuperar algumas coisas ditas antes...
Itamar Batista - O trabalho no OCEPLAN foi uma experiência
extremamente válida na minha vida profissional! Porque
eu sempre fui muito preocupado e ligado à legislação
urbana.
Os técnicos do OCEPLAN eram excelentes, trabalhavam
como mouros, numa oportunidade em que a SUCOM se anulou em
solucionar as coisas... Por algum motivo, talvez político,
a SUCOM não queria, ou não podia assumir as
definições de alguns projetos, principalmente
os mais complexos. Vivia-se uma época extremamente
conturbada. O governador Antônio Carlos era muito atacado
pela imprensa, havia uma oposição muito forte...
E o prefeito indicado era o ex-secretário da agricultura
Dr. Renan Baleeiro, uma das pessoas de melhor caráter
e de maior dignidade que eu conheci, e com quem eu já
trabalhava na secretaria. Quando ele foi para a prefeitura
ele levou alguns profissionais de lá da Secretaria
da Agricultura, eu inclusive. Isso foi mais ou menos em 80.
O Dr. Renan, efetivamente, deu uma importância ao OCEPLAN
muito grande, muito maior do que todos os seus antecessores.
Nós entendíamos que a cidade não podia
mais conviver com a antiquada legislação urbana
e de obras que existia e dissemos ao prefeito que nossa função
principal no OCEPLAN seria dar continuidade aos estudos de
uma nova Lei de Ordenamento e Uso do Solo, que já se
arrastava há quase 10 anos, e ressuscitar o CONDURB.
Eu recebi um apoio imenso do pessoal do OCEPLAN, Terezinha
Rios, Telma Lerner, Heloísa Oliveira, Marcos Solter,
Luís Maurício, Cibiê, Ari Andrade e muitos
outros profissionais. Na véspera do dia que terminou
nossa administração, o Dr. Renan mandou a minuta
da lei do ordenamento do uso do solo para a Câmara Municipal,
conforme tinha a mim prometido. Posteriormente, o prefeito
Manoel Castro fez algumas, poucas, modificações
no projeto na lei e como Manoel Lorenzo, que foi também
diretor do OCEPLAN, era amigo pessoal de Manoel, ele acabou,
então, por comandar essa nova proposta, que era basicamente
a mesma proposta anterior, sancionado-se a lei. A nova Lei
de Uso do Solo me deixou um prejuízo muito grande!
Eu fui classificado e dedurado como comunista, ao governador
Antônio Carlos, e que toda as minhas ações
na Lei do Ordenamento e do Uso do Solo era uma forma que eu
tinha de derrubar o Capitalismo da indústria imobiliária
da Bahia. Por esse motivo, o pessoal da ADEMI passou a ter
uma verdadeira aversão em relação ao
meu escritório e achou de nunca me dar nenhum projeto.
Isso me causou um tremendo prejuízo, mesmo porque eu
nunca fui comunista! Uma coisa interessante na minha vida
foi ser considerado comunista fora da faculdade e direitista
dentro dela!
Conclusão: a atividade da OCEPLAN parou completamente
a minha atividade de arquiteto em Salvador, afinal, não
é ético fazer os projetos e analisá-los.
Não faltaram propostas para grandes projetos naquela
época, mas todos eles visavam burlar, de certa forma,
a legislação. Orgulho-me de dizer que não
fiz absolutamente nenhum novo trabalho! Continuei minhas atividades
em Aracaju, porque não havia razão para parar
de projetar em outra cidade.
Ana Fernandes - Itamar, quais os tipos de programas
que você desenvolveu na década de 80?
Itamar Batista - Continuei trabalhando para condomínios
residenciais, temos vários condomínios residenciais
"fechados" e muitos conjuntos habitacionais. A Emprend,
isto é, Álvaro Lemos, se notabilizava por comprar
terrenos amplos, bastante arborizados onde usávamos
uma taxa de ocupação e de utilização
relativamente pequena e uma preocupação muito
grande na manutenção da arborização.
Trabalhamos com terrenos amplos ou glebas, na cidade; não
eram loteamentos.
Ana Fernandes - Já que eram glebas, os projetos
que vocês faziam eram de urbanização?
Itamar Batista - Não, eram simplesmente condomínios
habitacionais, verticais ou horizontais, mais de pequeno porte,
no máximo uma centena de unidades.
Ana Fernandes - Já fazia também os projetos
das residências?
Itamar Batista - Sim, mas fizemos também edifícios
comerciais. Posso citar, por exemplo, o Centro Médico
Empresarial da Avenida Garibaldi. Ai nós conseguimos,
propor algo utilizando a legislação, para fazer
naquela avenida, um bloco com 12 pavimentos destinados ao
uso empresarial e de consultórios médicos. Eu
sempre tive muito cuidado com a cidade, as áreas verdes
que criei nesse projeto eram geradas a partir do eixo da avenida
em relação ao edifício, relativizando
o excessivo volume daquele bloco. Mas as condições
da empresa acabaram por transformar a área verde em
um posto de gasolina. Um outro arquiteto refez o parcelamento
que não era o mesmo que foi por mim anteriormente projetado.
Todos os nossos projetos têm sido pensados com esse
posicionamento. Eu sempre tive essa preocupação,
de que os projetos sejam sempre integrados com a cidade, ou
seja, o prédio faz parte do urbanismo da cidade. Ele
não pode existir de outra forma! Eu também tenho
sempre uma preocupação com a estrutura do edifício
propondo uma leitura clara, límpida, que permite que
os estruturalistas, de modo geral, não modifiquem minha
proposta estrutural.
Ana Fernandes - E nos anos 90, muda alguma coisa em
relação aos tipos de projeto?
Itamar Batista - Não. O que eu gostaria de
citar é que eu tenho uma diversificação
muito grande de projetos. Eu não fico ligado a um determinado
mercado ou tema.
Ah, uma coisa interessante que aconteceu na década
de 90, eu fui solicitado a fazer um trabalho para o Tribunal
de Justiça do Estado de Sergipe. Houve uma licitação,
eu ganhei, e passei a trabalhar com fóruns de pequeno
porte. Quando o Tribunal pensou em fazer um Fórum de
grande porte em Aracaju, perto de uns 15.000m² de área,
também foi nosso o projeto. Estou realizando atualmente
a reforma do Tribunal de Justiça, um prédio
antigo, um excelente projeto de Berbert e Peixoto, este já
falecido. Acho que os trabalhos deles deveriam ser objeto
de estudos mais sólidos na faculdade pelo que de significativo
é, no quadro da arquitetura baiana, e mesmo de outros
locais. Quer dizer, aquele tipo de arquiteto que faz um trabalho
"comercial", e que tem, de certa maneira, limitações
do cliente e que consegue, ainda assim, fazer uma boa arquitetura
que resiste a chuvas e trovoadas.
Eu sempre cito como exemplo da arquitetura de Berbert e de
Peixoto, a Estação Rodoviária de Aracaju,
que é muito boa, resiste há mais de 20 anos;
esse prédio do Tribunal é muito bom como arquitetura,
já tem quase 30 anos; a segunda Rodoviária de
Salvador, ainda se constitui um dos edifícios de grande
importância, e que são marcos de uma arquitetura
limpa, habitável.
Quanto ao mercado de trabalho, eu não posso falar por
todos os profissionais. Mas, muitos têm reclamado do
mercado, eu inclusive, porque hoje está muito problemático.
Só para se ter idéia, na ultima licitação
que participei tivemos 21 grupos concorrentes, para um projeto
de 2000m²! Há uma outra coisa agravante quando
se entra numa licitação, você tem que
apresentar uma quantidade muito grande de documentos, e para
preparar essa documentação, você perde
dias da sua vida profissional! Essa última chegou ao
cúmulo de pedir a Certidão Negativa de Pedido
de Falência e Concordata! É um "burocratismo".
Eu acho um absurdo, por exemplo, que a gente pague ao CREA
para obter uma certidão de quitação que
pagou a anuidade do CREA. Você paga para provar que
pagou!!! É uma coisa absurda!
Ana Fernandes - Quais são os projetos que estão
sendo desenvolvidos agora?
Itamar Batista - A reforma do Tribunal de Justiça
de Sergipe e junto dele um Edifício Administrativo;
uma Creche no Bairro da Paz, da Santa Casa de Misericórdia;
um Centro de Leilões de Animais, isto é um Tattersal.
Na fila nós temos uma pequena residência e uma
Clínica de Hemodiálise, só essas duas
coisas.
Aglaé - Quantos estagiários você
tem aqui?
Itamar Batista - Agora estou com 5, 3 pela manhã
e 2 pela tarde e um arquiteto assistente, mal remunerado.
Ana Fernandes - Como que você vê atualmente
o panorama da produção de arquitetura, nesse
sentido a que você se referia, de atuação,
de produção de projeto na Bahia.
Itamar Batista - Eu acho que você fica impossibilitado
de fazer um projeto de qualidade na Bahia em função
da pouca remuneração de mercado. Estou fazendo
projetos para simplesmente continuar girando meu escritório!
Praticamente 25% de cada fatura emitida é pago de impostos!
O que eu sinto hoje é uma grande dificuldade de se
cobrar o projeto! Há uma extrema dificuldade de sobrevivência
do profissional de arquitetura.
Eu vejo uma possibilidade melhor no mercado imobiliário.
Onde o trabalho não tem qualidade maior do que aquela
necessária para o projeto ser aprovado na Prefeitura.
Então, o projeto é feito, a especificação
é feita pela própria empresa, ou repetida pelo
arquiteto. O trabalho se resume a uma edificação
simplificada, que atenda necessariamente as determinações
da Prefeitura e a mesmisse do mercado. Logo, você vai
ver que os profissionais que trabalham com o mercado imobiliário
não estão com problemas financeiros. Alguns
umbilicalmente ligados a funcionários do poder público,
por óbvias razões.
Ana Fernandes - E essa quantidade de obras que vêm
sendo feitas em Salvador, tendo do ponto de vista turístico
- equipamentos, hotéis - quanto do ponto de vista de
infra-estrutura - Aeroporto, terminais, e agora o Metrô.
Como é que isso gera demanda no mercado de trabalho
de arquitetura? Ou não gera?
Itamar Batista - Tem gerado para os escritórios
de maior importância. Por exemplo, a Via Náutica
foi feita pelo arquiteto Ivan Smarchevisk, parte do Metrô
foi contratado ao arquiteto Neilton Dórea, para fazer
as estações.
Ana Fernandes - O que é um escritório
estabilizado? É um escritório grande? Você
acha que em Salvador temos escritórios de porte?
Itamar Batista - Eu vejo o de Chico Motta e André
Sá, o de Santos Pereira, o de Luis Humberto, o de Lourenço
Valadares, que tem uma relação muito boa com
a Odebrecht e vejo o de Caramelo. Na área imobiliária,
com poucas exceções, os escritórios ligados
ao poder público. O pessoal mais novo eu não
conheço.
Ana Fernandes - Isso significa um grande volume de
trabalho?
Itamar Batista - Aí entra um problema dramático
do jovem arquiteto. De modo geral, ele é contratado
sem nenhuma forma de proteção. É raro
um escritório que tenha condição de contratar
um arquiteto com carteira assinada, pelo valor excessivo de
encargos, tributos, leis trabalhistas. O que acontece, o arquiteto
jovem enquanto ele não se estabelece como arquiteto,
ele tem que penar durante algum tempo, com o seu salário
reduzido ao mínimo para a sobrevivência.
O pessoal que está se dando bem é o pessoal
de decoração. Alguns não têm a
menor preocupação em colocar um determinado
piso que dá 15%, em vez de colocar um melhor que só
dá 10%. Também temos que ver o comportamento
ético! Esse comportamento é duvidoso! Hoje,
existem arquitetos que oferecem projetos até de graça,
para se aproveitar desta questão de percentual.
Ana Fernandes - Está em andamento o processo
de entrada de escritórios estrangeiros aqui no Brasil.
Então, tem toda essa discussão de liberar os
serviços, e, com ela, a liberação de
empresas educacionais, hospitais e de arquitetura e construção.
Como isso ainda não é possível atualmente,
várias empresas vêm se associando a escritórios
brasileiros. Como você vê isso aqui na Bahia?
Itamar Batista - Primeiro, eu, particularmente, não
sou contrário a possibilidade de você ter outros
escritórios com vínculos internacionais. O que
eu acredito é que isso vai ficar restrito a grandes
empresas e grandes trabalhos, também internacionais
e basicamente em São Paulo e Rio de Janeiro. Por exemplo,
o trabalho do Metrô, vai contratar uma empresa estrangeira
que vai contratar arquitetos nacionais. Será uma forma
de abertura de mercado para alguns profissionais. Concordo,
desde que traga benefícios ao país.
Ana Fernandes - A vinda da Ford para a Bahia, gera
novos tipos de demanda: especificação de materiais.
Para gerar todo um processo de manutenção da
construção. Isso aprofunda a divisão
do trabalho, que gera outros tipos de relação
e de necessidades. Na Bahia, você chega a identificar
demandas específicas para esse tipo de trabalho?
Itamar Batista - Não conheço. O que
eu conheço aqui é que, quando uma empresa vai
produzir um Hospital, por exemplo, ela contrata um certo número
de profissionais e terceiriza o trabalho. Ele fica muito sujeito
ao mercado. Se o mercado aqui é ruim para quem tem
um escritório, este mercado será muito pior
para aquele que é terceirizado. É muito difícil!
Ana Fernandes - As ONGs, cada vez mais estão
conseguindo captar recursos de organismos inclusive internacionais.
Uma série de experiências mais comunitárias
passam a precisar de serviços de arquitetos. O que
você pensa sobre isso?
Itamar Batista - Eu trabalhei para uma ONG, "Aldeias
Infantis SOS", pessoalmente dou uma contribuição
à entidade enquanto cidadão, enquanto arquiteto
eu cobro normalmente. Fui contratado para fazer uma Aldeia
e uma Creche em Lauro de Freitas e uma outra Aldeia em São
Paulo. Quem financia, basicamente, é a Áustria
e a Alemanha. Trabalho também para grupos católicos
que recebem auxilio dos estrangeiros, quando se trata de igrejas,
eu nada cobro porque sou Católico Apostólico
Romano.
Aglaé - Você acha que as cooperativas
são um bom caminho para arquitetos jovens?
Itamar Batista - Em Medicina, parece estar dando certo.
Eu tenho um filho médico que faz parte de uma cooperativa.
Eu acho que se deveria tentar! Por não pagarem impostos,
as cooperativas podem pagar um pouco melhor aos profissionais
mais jovens.
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