por: Ana Fernandes, Aglaé, Mabel Zambuzzi, Fábio Velame
data: 14 de setembro de 2001
 

Ana Fernandes - Conte-nos um pouco da história do seu escritório.
Itamar Batista - O nosso escritório já tem mais de 40 anos. Quando eu estava no segundo ano da faculdade, ainda na década de 50, comprei uma prancheta e botei no meu quarto. Eu era office-boy, minha família não tinha muitos recursos, morávamos no fim de linha do bonde de Brotas. Então, eu achei que deveria ampliar meus conhecimentos dentro da minha própria casa, trabalhando, batalhando, fazendo levantamento cadastral, fazendo projetinhos, desenhando. Assim que começou! Contando o tempo de desenhista de arquitetura, já se vão mais de 40 anos!
Diplomei-me em 60. Antes de ter me formado, eu já tinha uma sociedade com dois colegas de turma Oscar Marback e Leobaldo Branco. Iniciamos com desenhos arquitetônicos, e, logo depois, começamos a trabalhar em projetos e pequenas obras. Assim, fizemos uma firma de arquitetura que se chamava ILO CONSTRUÇÕES E ARQUITETURA LTDA. Empresa, mesmo, de arquitetura, eu tenho a impressão que a nossa foi a primeira. É importante frisar que embora Oscar fosse genro do governador da época, Dr. Antônio Balbino, jamais utilizou seu parentesco para angariar benefícios próprios ou para a nossa firma, Oscar tinha e tem até hoje um excelente caráter.
Conseguimos fazer vários projetos e anos depois pegamos uma obra em Ilhéus, que nos deu um prejuízo muito grande... E eu senti a necessidade de desfazer o escritório!
A partir daí eu fiquei sem me associar durante algum tempo. Mas, sempre trabalhando como arquiteto! Durante toda a minha vida... O que eu chamo de arquiteto militante. São aqueles que fazem permanentemente e somente, projetos nos seus próprios escritórios. Acredito que arquitetos são arquitetos de um modo geral, lógico! Mas eu digo que ele é militante, porque eu tenho consciência de que esse é o arquiteto que mais luta e mais sofre! Quando eu me refiro aos arquitetos militantes, refiro-me àqueles que pagam aluguel, energia, condomínio, telefones, internet, PIS, COFINS, IRPJ, Contribuição Social, FGTS, INSS, CREA (PF), CREA (PJ), Sindicato, Imposto Sindical, TLF e, religiosamente, os salários, parcos ou não, de seus auxiliares para não quebrar a cara na Justiça do Trabalho.
Eu levei um tempo sem sociedade, mas estabeleci uma outra, em 1969 com o arquiteto Cid Oliveira Filho, também ligada a construção civil. Chamava-se PREDIL - Projetos, Edificações e Incorporações Ltda; nós também terminamos essa sociedade porque, da mesma maneira que a anterior não deu muito certo; a atividade do construtor gera muitos problemas, custos exagerados, investimentos etc... Não tínhamos condições de manter uma empresa construtora. Nitidamente por uma questão de minha incompetência quebrou a primeira e quebrou a segunda. Aí, eu achei que não tinha mais nenhum interesse de construir, nem de me ligar a colegas construtores, ainda que, grandes amigos.
Continuei trabalhando sozinho, e com o tempo passei a ter uma carga de trabalho intensa, por isso acabei por convidar o arquiteto Ricardo d' Albuquerque para ser meu sócio. Iniciamos a sociedade, mais ou menos, em 74. Ele é um arquiteto excelente, um rapaz muito inteligente... Mas não deu certo como sócio! Desde 70 vivíamos um período de intenso crescimento; foi um período que, de uma certa forma, o Brasil começou a crescer com altos índices de PIB. Eu tenho, hoje, uma clara idéia de que existe uma relação muito forte entre o aumento do PIB e a ação do arquiteto.
Em 72/74 comecei a desenvolver uma atividade muito ampla de projetos em Aracaju. Em 70, eu havia feito o Motel Vela Branca na Av. ACM, um empreendimento de Álvaro Lemos, um dos engenheiros mais competentes de Salvador e a quem devo grande parte de minha formação técnica. Na verdade, a planta não era de um motel típico, como se entende atualmente, e sim um hotel para hóspedes, muito amplo e confortável. Nessa oportunidade veio um engenheiro de Sergipe e ficou hospedado nesse hotel e tendo gostado muito do projeto, procurou saber qual o arquiteto que tinha feito e apareceu aqui, no meu escritório. O nome dele, João Alves Filho. Ele queria fazer um hotel idêntico em Aracaju e pediu que repetíssemos a planta, disse a ele que idêntico não seria interessante fazer, mas me propunha a fazer algo similar etc. e tal, também em tijolos aparentes de concreto, os mesmos que eram fabricados pela Odebrecht com um knowhow alemão, chamados blocos Silical.
Finalmente e felizmente, nós fizemos o trabalho e, a partir daí realizamos vários projetos para a Habitacional, empresa recém-fundada pelo mesmo João Alves. Na verdade, ele era um engenheiro extremamente atuante em Aracaju e a partir das escolhas dos prefeitos em eleição indireta, foi indicado pelo governador de Sergipe para ser o prefeito da capital. Teve uma revolucionária administração, sei muito bem, porque participei ativamente dos seus inumeráveis trabalhos como prefeito e depois ele foi governador, Ministro do Interior, e novamente Governador.
Depois desse período, de uma atividade muito intensa em Aracaju, houve um pequeno intervalo, quando eu fui indicado para ser diretor do OCEPLAN...


Ana Fernandes - O que se construía? Que atividades e que programas eram desenvolvidos?
Itamar Batista - Em Aracaju, eu tive a atividade direcionada a conjuntos habitacionais, edifícios de apartamentos e hospitais. Aqui, na Bahia, atividade variada, em projetos de toda natureza. Nessa época, aluguei o rés-do-chão da minha casa para a Emprend, firma criada por Álvaro Lemos Filho, já citado, para qual eu fiz muitos edifícios de apartamentos. Na verdade, eu nunca me liguei muito ao mercado imobiliário de Salvador. Fora dessa atividade que eu tive com a EMPREND, nunca cavei, nunca me propus, nem nunca procurei o mercado imobiliário de Salvador, mesmo porque naquela época era um mercado extremamente contaminado, como é até hoje. Depois eu digo que nível de contaminação é essa.
Também fiz alguns Hospitais em Sergipe. Comecei fazendo um hospital de obstetrícia, o "Santa Mônica", depois eu fiz um outro hospital, o "São Lucas". Porque fiz esses dois hospitais, comecei a me interessar pelo assunto de hospitais e fui para São Paulo atrás de informação sobre edifícios hospitalares e lá me associei à Associação Paulista de Hospitais, onde desenvolvi alguns conhecimentos, sob a notável liderança do professor Odair Pedroso, que era considerado o Papa da arquitetura hospitalar brasileira, a quem tinha conhecido aqui na Bahia, no Hospital Português. Eu já tinha feito há mais tempo, um curso de planejamento em saúde pública na USP, concomitante com a minha especialização no Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos da FAU-USP. O curso foi feito na Escola de Higiene e Saúde Pública da USP, onde o prof. Odair era diretor, e nessas ligações eu acabei aprofundando os estudos sobre arquitetura hospitalar. Já depois de 80, o então governador de Sergipe, justamente o Dr. João Alves Filho, convidou-me para fazer um hospital de pronto socorro em Aracaju. Começou como um hospital de médio por ter uns 100 leitos, e, hoje, é um dos maiores do Nordeste. Um hospital geral, completo, quase 400 leitos, com todos os serviços de atendimento de saúde, para o qual fizemos os vários projetos de ampliação. No momento estamos terminando uma nova UTI e uma unidade de radioterapia e medicina nuclear, que é uma coisa muito específica.
Continuei fazendo aqui as minhas arquiteturas, de um modo geral, sedes de empresas privadas, residências, igrejas... Eu tinha também a atividade, juntamente com o escritório, de ensino de arquitetura, além de ser arquiteto da Secretaria da Agricultura.


Ana Fernandes - Quando você começou a ensinar na FAUFBa?
Itamar Batista - Em 61, aos 22 anos, imediatamente após me formar, indicado pelo grande mestre que tive, Pasqualino Magnavita, a quem devo, efetivamente, minha formação de arquiteto. Ao professor Américo Simas Filho devo meu senso de responsabilidade e o profundo respeito que tenho à Ética Profissional. Trabalhava muito na Faculdade, com muito orgulho digo isso, sempre fazia o máximo que eu podia. Misteriosamente, multiplicando o meu tempo, eu trabalhava no meu escritório, na Faculdade e na Secretaria da Agricultura, onde eu fiz muitos trabalhos de parques de pecuária, pelo interior do estado, inclusive o Parque de Exposições Agropecuárias de Salvador; Ricardo teve participação. Quando no Departamento de Transportes e Terminais, só de rodoviárias eu projetei umas 30, mas não foi só isso, tive muitos outros projetos que não foram construídos. Trabalhava como até hoje, até 10, 11, meia noite, sábados e domingos... Não entendo porque não consegui ficar rico. Atividade de arquiteto não tem horário! Trabalha toda hora que pode, sabe Ana, para você exercer uma atividade, realmente, séria, você trabalha mais do que pessoas de outras profissões. Tenho absoluta certeza de que é assim!


Aglaé - Com a tecnologia, com a informática, tem redução de tempo de trabalho?
Itamar Batista - Imaginar que há redução de tempo? Olha, eu acho que é uma balela! Acho que é uma ferramenta que dá ao arquiteto a possibilidade de desenvolver um trabalho com mais precisão, com mais informações, de qualidade melhor. Certo! Eu não tenho dúvida de que o tempo que você gasta nos trabalhos feitos no AutoCAD é menor do que se estivesse na base da tinta. Esses trabalhos de hoje são muito mais informativos do que os trabalhos de antigamente. A qualidade do projeto hoje é uma exigência muito grande. O trabalho de arquitetura passou ser muito mais preciso pelas exigências da construção civil e pela quase total dependência que os engenheiros e os projetos complementares têm do arquiteto.
A vantagem do CAD é refazer plantas com maior velocidade, isto é tendo-se o projeto, modificá-lo, consertá-lo, e aí você pode agir com muito mais rapidez do que se fazia antes. Isso é fantástico! Então isso acaba com o que eu disse que é uma balela. Agora, o que existe é que as plantas precisam de um tempo maior para serem produzidas e isso demora o projeto de uma maneira considerável!


Aglaé - Você já cria trabalhando no AutoCAD?
Itamar Batista - Não! Eu não me sentiria bem! Primeiro, porque eu não sei trabalhar em AutoCAD. Eu me acostumei a trabalhar com o lápis, até quando eu converso fico riscando alguma coisa. Então, os arquitetos mais jovens, provavelmente, devem trabalhar, conversar, com o teclado na mão... O mesmo esquema que a gente tem, de ficar falando e riscando. É quase que um vício de arquitetos antigos! Ou então, um vírus de arquiteto, porque passa de um para o outro! Meus desenhos todos eu faço na base do lápis com ou sem escala. Feito ou não, com escala, eu apresento o desenho, o mais desenvolvido possível para ser digitalizado.


Ana Fernandes - Vamos voltar só um pouquinho para recuperar algumas coisas ditas antes...
Itamar Batista - O trabalho no OCEPLAN foi uma experiência extremamente válida na minha vida profissional! Porque eu sempre fui muito preocupado e ligado à legislação urbana.
Os técnicos do OCEPLAN eram excelentes, trabalhavam como mouros, numa oportunidade em que a SUCOM se anulou em solucionar as coisas... Por algum motivo, talvez político, a SUCOM não queria, ou não podia assumir as definições de alguns projetos, principalmente os mais complexos. Vivia-se uma época extremamente conturbada. O governador Antônio Carlos era muito atacado pela imprensa, havia uma oposição muito forte... E o prefeito indicado era o ex-secretário da agricultura Dr. Renan Baleeiro, uma das pessoas de melhor caráter e de maior dignidade que eu conheci, e com quem eu já trabalhava na secretaria. Quando ele foi para a prefeitura ele levou alguns profissionais de lá da Secretaria da Agricultura, eu inclusive. Isso foi mais ou menos em 80. O Dr. Renan, efetivamente, deu uma importância ao OCEPLAN muito grande, muito maior do que todos os seus antecessores.
Nós entendíamos que a cidade não podia mais conviver com a antiquada legislação urbana e de obras que existia e dissemos ao prefeito que nossa função principal no OCEPLAN seria dar continuidade aos estudos de uma nova Lei de Ordenamento e Uso do Solo, que já se arrastava há quase 10 anos, e ressuscitar o CONDURB. Eu recebi um apoio imenso do pessoal do OCEPLAN, Terezinha Rios, Telma Lerner, Heloísa Oliveira, Marcos Solter, Luís Maurício, Cibiê, Ari Andrade e muitos outros profissionais. Na véspera do dia que terminou nossa administração, o Dr. Renan mandou a minuta da lei do ordenamento do uso do solo para a Câmara Municipal, conforme tinha a mim prometido. Posteriormente, o prefeito Manoel Castro fez algumas, poucas, modificações no projeto na lei e como Manoel Lorenzo, que foi também diretor do OCEPLAN, era amigo pessoal de Manoel, ele acabou, então, por comandar essa nova proposta, que era basicamente a mesma proposta anterior, sancionado-se a lei. A nova Lei de Uso do Solo me deixou um prejuízo muito grande! Eu fui classificado e dedurado como comunista, ao governador Antônio Carlos, e que toda as minhas ações na Lei do Ordenamento e do Uso do Solo era uma forma que eu tinha de derrubar o Capitalismo da indústria imobiliária da Bahia. Por esse motivo, o pessoal da ADEMI passou a ter uma verdadeira aversão em relação ao meu escritório e achou de nunca me dar nenhum projeto. Isso me causou um tremendo prejuízo, mesmo porque eu nunca fui comunista! Uma coisa interessante na minha vida foi ser considerado comunista fora da faculdade e direitista dentro dela!
Conclusão: a atividade da OCEPLAN parou completamente a minha atividade de arquiteto em Salvador, afinal, não é ético fazer os projetos e analisá-los. Não faltaram propostas para grandes projetos naquela época, mas todos eles visavam burlar, de certa forma, a legislação. Orgulho-me de dizer que não fiz absolutamente nenhum novo trabalho! Continuei minhas atividades em Aracaju, porque não havia razão para parar de projetar em outra cidade.


Ana Fernandes - Itamar, quais os tipos de programas que você desenvolveu na década de 80?
Itamar Batista - Continuei trabalhando para condomínios residenciais, temos vários condomínios residenciais "fechados" e muitos conjuntos habitacionais. A Emprend, isto é, Álvaro Lemos, se notabilizava por comprar terrenos amplos, bastante arborizados onde usávamos uma taxa de ocupação e de utilização relativamente pequena e uma preocupação muito grande na manutenção da arborização. Trabalhamos com terrenos amplos ou glebas, na cidade; não eram loteamentos.


Ana Fernandes - Já que eram glebas, os projetos que vocês faziam eram de urbanização?
Itamar Batista - Não, eram simplesmente condomínios habitacionais, verticais ou horizontais, mais de pequeno porte, no máximo uma centena de unidades.


Ana Fernandes - Já fazia também os projetos das residências?
Itamar Batista - Sim, mas fizemos também edifícios comerciais. Posso citar, por exemplo, o Centro Médico Empresarial da Avenida Garibaldi. Ai nós conseguimos, propor algo utilizando a legislação, para fazer naquela avenida, um bloco com 12 pavimentos destinados ao uso empresarial e de consultórios médicos. Eu sempre tive muito cuidado com a cidade, as áreas verdes que criei nesse projeto eram geradas a partir do eixo da avenida em relação ao edifício, relativizando o excessivo volume daquele bloco. Mas as condições da empresa acabaram por transformar a área verde em um posto de gasolina. Um outro arquiteto refez o parcelamento que não era o mesmo que foi por mim anteriormente projetado.
Todos os nossos projetos têm sido pensados com esse posicionamento. Eu sempre tive essa preocupação, de que os projetos sejam sempre integrados com a cidade, ou seja, o prédio faz parte do urbanismo da cidade. Ele não pode existir de outra forma! Eu também tenho sempre uma preocupação com a estrutura do edifício propondo uma leitura clara, límpida, que permite que os estruturalistas, de modo geral, não modifiquem minha proposta estrutural.


Ana Fernandes - E nos anos 90, muda alguma coisa em relação aos tipos de projeto?
Itamar Batista - Não. O que eu gostaria de citar é que eu tenho uma diversificação muito grande de projetos. Eu não fico ligado a um determinado mercado ou tema.
Ah, uma coisa interessante que aconteceu na década de 90, eu fui solicitado a fazer um trabalho para o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Houve uma licitação, eu ganhei, e passei a trabalhar com fóruns de pequeno porte. Quando o Tribunal pensou em fazer um Fórum de grande porte em Aracaju, perto de uns 15.000m² de área, também foi nosso o projeto. Estou realizando atualmente a reforma do Tribunal de Justiça, um prédio antigo, um excelente projeto de Berbert e Peixoto, este já falecido. Acho que os trabalhos deles deveriam ser objeto de estudos mais sólidos na faculdade pelo que de significativo é, no quadro da arquitetura baiana, e mesmo de outros locais. Quer dizer, aquele tipo de arquiteto que faz um trabalho "comercial", e que tem, de certa maneira, limitações do cliente e que consegue, ainda assim, fazer uma boa arquitetura que resiste a chuvas e trovoadas.
Eu sempre cito como exemplo da arquitetura de Berbert e de Peixoto, a Estação Rodoviária de Aracaju, que é muito boa, resiste há mais de 20 anos; esse prédio do Tribunal é muito bom como arquitetura, já tem quase 30 anos; a segunda Rodoviária de Salvador, ainda se constitui um dos edifícios de grande importância, e que são marcos de uma arquitetura limpa, habitável.
Quanto ao mercado de trabalho, eu não posso falar por todos os profissionais. Mas, muitos têm reclamado do mercado, eu inclusive, porque hoje está muito problemático. Só para se ter idéia, na ultima licitação que participei tivemos 21 grupos concorrentes, para um projeto de 2000m²! Há uma outra coisa agravante quando se entra numa licitação, você tem que apresentar uma quantidade muito grande de documentos, e para preparar essa documentação, você perde dias da sua vida profissional! Essa última chegou ao cúmulo de pedir a Certidão Negativa de Pedido de Falência e Concordata! É um "burocratismo". Eu acho um absurdo, por exemplo, que a gente pague ao CREA para obter uma certidão de quitação que pagou a anuidade do CREA. Você paga para provar que pagou!!! É uma coisa absurda!


Ana Fernandes - Quais são os projetos que estão sendo desenvolvidos agora?
Itamar Batista - A reforma do Tribunal de Justiça de Sergipe e junto dele um Edifício Administrativo; uma Creche no Bairro da Paz, da Santa Casa de Misericórdia; um Centro de Leilões de Animais, isto é um Tattersal.
Na fila nós temos uma pequena residência e uma Clínica de Hemodiálise, só essas duas coisas.

Aglaé - Quantos estagiários você tem aqui?
Itamar Batista - Agora estou com 5, 3 pela manhã e 2 pela tarde e um arquiteto assistente, mal remunerado.

Ana Fernandes - Como que você vê atualmente o panorama da produção de arquitetura, nesse sentido a que você se referia, de atuação, de produção de projeto na Bahia.
Itamar Batista - Eu acho que você fica impossibilitado de fazer um projeto de qualidade na Bahia em função da pouca remuneração de mercado. Estou fazendo projetos para simplesmente continuar girando meu escritório! Praticamente 25% de cada fatura emitida é pago de impostos!
O que eu sinto hoje é uma grande dificuldade de se cobrar o projeto! Há uma extrema dificuldade de sobrevivência do profissional de arquitetura.
Eu vejo uma possibilidade melhor no mercado imobiliário. Onde o trabalho não tem qualidade maior do que aquela necessária para o projeto ser aprovado na Prefeitura. Então, o projeto é feito, a especificação é feita pela própria empresa, ou repetida pelo arquiteto. O trabalho se resume a uma edificação simplificada, que atenda necessariamente as determinações da Prefeitura e a mesmisse do mercado. Logo, você vai ver que os profissionais que trabalham com o mercado imobiliário não estão com problemas financeiros. Alguns umbilicalmente ligados a funcionários do poder público, por óbvias razões.


Ana Fernandes - E essa quantidade de obras que vêm sendo feitas em Salvador, tendo do ponto de vista turístico - equipamentos, hotéis - quanto do ponto de vista de infra-estrutura - Aeroporto, terminais, e agora o Metrô. Como é que isso gera demanda no mercado de trabalho de arquitetura? Ou não gera?
Itamar Batista - Tem gerado para os escritórios de maior importância. Por exemplo, a Via Náutica foi feita pelo arquiteto Ivan Smarchevisk, parte do Metrô foi contratado ao arquiteto Neilton Dórea, para fazer as estações.

Ana Fernandes - O que é um escritório estabilizado? É um escritório grande? Você acha que em Salvador temos escritórios de porte?
Itamar Batista - Eu vejo o de Chico Motta e André Sá, o de Santos Pereira, o de Luis Humberto, o de Lourenço Valadares, que tem uma relação muito boa com a Odebrecht e vejo o de Caramelo. Na área imobiliária, com poucas exceções, os escritórios ligados ao poder público. O pessoal mais novo eu não conheço.


Ana Fernandes - Isso significa um grande volume de trabalho?
Itamar Batista - Aí entra um problema dramático do jovem arquiteto. De modo geral, ele é contratado sem nenhuma forma de proteção. É raro um escritório que tenha condição de contratar um arquiteto com carteira assinada, pelo valor excessivo de encargos, tributos, leis trabalhistas. O que acontece, o arquiteto jovem enquanto ele não se estabelece como arquiteto, ele tem que penar durante algum tempo, com o seu salário reduzido ao mínimo para a sobrevivência.
O pessoal que está se dando bem é o pessoal de decoração. Alguns não têm a menor preocupação em colocar um determinado piso que dá 15%, em vez de colocar um melhor que só dá 10%. Também temos que ver o comportamento ético! Esse comportamento é duvidoso! Hoje, existem arquitetos que oferecem projetos até de graça, para se aproveitar desta questão de percentual.

Ana Fernandes - Está em andamento o processo de entrada de escritórios estrangeiros aqui no Brasil. Então, tem toda essa discussão de liberar os serviços, e, com ela, a liberação de empresas educacionais, hospitais e de arquitetura e construção. Como isso ainda não é possível atualmente, várias empresas vêm se associando a escritórios brasileiros. Como você vê isso aqui na Bahia?
Itamar Batista - Primeiro, eu, particularmente, não sou contrário a possibilidade de você ter outros escritórios com vínculos internacionais. O que eu acredito é que isso vai ficar restrito a grandes empresas e grandes trabalhos, também internacionais e basicamente em São Paulo e Rio de Janeiro. Por exemplo, o trabalho do Metrô, vai contratar uma empresa estrangeira que vai contratar arquitetos nacionais. Será uma forma de abertura de mercado para alguns profissionais. Concordo, desde que traga benefícios ao país.


Ana Fernandes - A vinda da Ford para a Bahia, gera novos tipos de demanda: especificação de materiais. Para gerar todo um processo de manutenção da construção. Isso aprofunda a divisão do trabalho, que gera outros tipos de relação e de necessidades. Na Bahia, você chega a identificar demandas específicas para esse tipo de trabalho?
Itamar Batista - Não conheço. O que eu conheço aqui é que, quando uma empresa vai produzir um Hospital, por exemplo, ela contrata um certo número de profissionais e terceiriza o trabalho. Ele fica muito sujeito ao mercado. Se o mercado aqui é ruim para quem tem um escritório, este mercado será muito pior para aquele que é terceirizado. É muito difícil!


Ana Fernandes - As ONGs, cada vez mais estão conseguindo captar recursos de organismos inclusive internacionais. Uma série de experiências mais comunitárias passam a precisar de serviços de arquitetos. O que você pensa sobre isso?
Itamar Batista - Eu trabalhei para uma ONG, "Aldeias Infantis SOS", pessoalmente dou uma contribuição à entidade enquanto cidadão, enquanto arquiteto eu cobro normalmente. Fui contratado para fazer uma Aldeia e uma Creche em Lauro de Freitas e uma outra Aldeia em São Paulo. Quem financia, basicamente, é a Áustria e a Alemanha. Trabalho também para grupos católicos que recebem auxilio dos estrangeiros, quando se trata de igrejas, eu nada cobro porque sou Católico Apostólico Romano.


Aglaé - Você acha que as cooperativas são um bom caminho para arquitetos jovens?
Itamar Batista - Em Medicina, parece estar dando certo. Eu tenho um filho médico que faz parte de uma cooperativa. Eu acho que se deveria tentar! Por não pagarem impostos, as cooperativas podem pagar um pouco melhor aos profissionais mais jovens.

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